Sou obcecado por mapas e nutro orgulho ciclópico por minha mapoteca – vaidade que só não é maior porque, como vem acontecendo com meus livros e a papelada que acumulo, esse tesouro jaz no caos que remete ao universo antes do fiat lux. Ainda assim, sou o feliz possuidor de mais de 500 mapas, boa parte deles feitos pelo Exército (que, como se sabe, serve para mais coisas além de ocupar 6 mil cargos civis no governo). Tais mapas são na escala 1:50.000, o que significa que cada centímetro ali equivale a 500 metros do mundo real. Ou seja: sabendo olhar, dá para “ver” quase tudo.
Lembro como essa paixão teve início. Em maio de 1980, um amigo veio me visitar e, do nada, desenrolou na minha frente um mapa de Canela (RS). E então eu, que sequer sabia que Canela estava no mapa, vi a casa onde fui gerado (um pontinho preto), o lago onde nadava nos verões (um círculo azul), a ponta aguda do Morro Pelado (em curvas de nível) e todo o resto. O que era só curiosidade, virou obsessão. Aí descobri que a Marinha e o IBGE também faziam mapas. Enfrentei a burocracia e a má vontade dos funcionários e fui comprando mapas aos montes. As praias de Santa Catarina, os cânions gaúchos, as cachoeiras da Serra do Mar, tudo isso ficou ao meu alcance – ao menos no papel.
Ao mergulhar na história colonial do Brasil, comecei a estudar os tesouros da cartografia lusa: Terra Brasilis, o mapa feito pelos irmãos Reinel (que jamais nos falam que eram negros), o mapa de Waldseemüller (que batizou a América), o mapa de Gaspar Viegas (base para a divisão da colônia em capitanias). Hoje, carrego o Brasil cartografado na mente e, ao viajar de avião, olho lá de cima e sei o nome de cada praia, cada montanha, cada rio.
Surgiu então o tal Google Earth e eu curti, claro, mas devo confessar que, como em relação a quase tudo vindo do digital, percebi que era feliz o suficiente com o que o papel e a imaginação já me davam. Óbvio que as minúcias, as cores e a “terceira dimensão” das imagens de satélite me levaram a horas de imersão. Mas talvez pelo fato de eu ser um anacrônico analógico, algo me cheirava mal ali. Agora sei o que é: o Google Earth foi descaradamente plagiado do projeto Terra Vision, desenvolvido por dois programadores alemães em 1992. A história está na minissérie Batalha Bilionária: O Caso Google Earth, da Netflix. Vá ver.
Lembrei, então, sei lá porque, da incrível história por trás do primeiro mapa a representar o Brasil, o Planisfério de Cantino, de 1502, feito para o espião italiano Alberto Cantino, que subornou um cartógrafo português e vendeu a obra para o Duque de Ferrara pela fábula de 20 ducados de ouro. Mas Cantino ao menos pagou 12 ducados para o criador da obra. Já o Google nunca meteu a mão no bolso, pois segue afirmando que achou sozinho o mapa da mina.