Já começou com fake news. Em agosto de 1542, ao chegar numa ilhota no Caribe, após uma viagem épica de mais de 7 mil quilômetros por aquele que logo se revelaria o maior rio do planeta, o frei dominicano Gaspar de Carvajal empunhou a pena e, apesar do olho vazado por uma flechada, redigiu o relato da inacreditável jornada fluvial que fizera sob o comando de Francisco de Orellana, desde os Andes até o Oceano Atlântico. O ponto alto da narrativa era a descrição do combate feroz que os espanhóis teriam travado contra “mulheres mui alvas e altas, com longos cabelos trançados, robustas e nuas em pelo, armadas com arcos e flechas, fazendo tanta guerra como 10 índios homens”. Por causa delas, Carvajal batizou o imenso curso d´água com o nome que carrega até hoje: rio das Amazonas.
Antigo mito grego, as amazonas eram mulheres guerreiras que cauterizavam um seio para melhor manejar o arco e flecha. Embora Carvajal não tenha dito que as combatentes que atacaram os espanhóis fizessem o mesmo, seu relato foi menosprezado na Espanha. Mais do que isso: o frei foi desmentido por cronistas do nível de Lope de Gomara e Gonzalo de Oviedo. Dois séculos depois, cientistas de peso, como Humboldt e La Condamine, também desconsideraram a narrativa de Carvajal. Até porque nenhum dos viajantes que, na sequência dele, navegaram pelo imenso rio – por mais delirantes que fossem (como de fato eram Aguirre, Walter Raleigh e Juan Martinez) – voltou a ver ou mencionar as tais guerreiras.
Mas guerreiros e guerreiras abundavam às margens do Amazonas e relatos fidedignos, como os do padre Vieira e de Pedro Teixeira (que em 1638 navegou o rio da foz à nascente, na contracorrente – e só por isso a região, que era da Espanha, passou a pertencer ao Brasil), descrevem vastas populações ribeirinhas vivendo em enormes aldeias. Algumas antigas e misteriosas, como as que deram origem à cultura marajoara.
Por isso e muito mais, é revoltante que uma bobagem sem par como a tal Ratanaba, suposta cidade de 450 milhões de anos (sic), ganhe destaque nas redes sociais, em especial no infame TikTok. E que as “revelações” sobre essa “primeira capital do mundo” tenham surgido justo na semana em que o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips foram assassinados num dos recantos mais recônditos da Amazônia real. Por isso, dá engulhos saber que o secretário de Cultura do governo que não protege o Vale do Javari insinue que vale investigar a existência de Ratanaba. Que naba!
“A Amazônia é nossa”, disse o presidente do Brasil ao responder pergunta de Dom Phillips. Sim, dele e dos garimpeiros, madeireiros e pescadores ilegais que ele estimula e apoia. Pena que as amazonas de Carvajal fossem fake: suas flechas bem poderiam ser úteis na luta pela preservação da Amazônia.