Não restam dúvidas de que 1922 foi um dos anos mais dramáticos da história do Brasil dentre os últimos cem – começando a contagem por ele próprio.
A profusão de centenários – tanto os celebrados quanto os esquecidos – deixa isso claro: foram os cem anos da Semana de Arte Moderna; os cem anos dos 18 do Forte; os cem anos do “raid aéreo” dos “aeronautas” Sacadura Cabral e Gago Coutinho, que voaram de Lisboa ao Rio de Janeiro a bordo de um hidroavião monomotor, na primeira travessia aérea do Atlântico Sul; os cem anos da fundação do Partido Comunista Brasileiro; os cem anos da fabulosa exposição do Centenário da Independência, inaugurada em 7 de setembro; e os cem anos do Campeonato Sul-Americano de Futebol, disputado no Rio, e que o Brasil tratou de surrupiar com escândalos de arbitragem em série. Ah, sim, e teve até terremoto: a terra tremeu em São Paulo, em 27 de janeiro, como se para declarar abertos os trabalhos de 1922.
Mas o que mais importa ressaltar – e tem passado largamente desapercebido – é que no dia 1º de março foi realizada a polarizadíssima eleição presidencial que contrapôs o candidato do governo e das elites, Artur Bernardes, ao candidato dos militares e das classes médias e baixas, Nilo Peçanha. O resultado – fraudado como todos da República Velha, nos tempos do maldito voto de papel – só foi revelado em 8 de junho e anunciou o que todos já sabiam antes mesmo do pleito: a vitória do mineiro Bernardes.
Envenenado pela cruzada difamatória que sofrera durante a campanha – alvo de marchinhas carnavalescas que o ridicularizavam, chamando-o de “Seu Mé” (por causa da dita “cara de bode”), de cartas falsas e de acusações machistas –, Bernardes assumiu o Palácio do Catete (onde falaram que ele jamais botaria os pés) em 15 de novembro de 1922. E abriu sua caixinha de maldades. Aproveitando-se do estado de sítio, declarado por Epitácio Pessoa, seu antecessor, governou acima (e abaixo) da Constituição, suspendendo as liberdades individuais, censurando, perseguindo e prendendo seus adversários. Criou até um assombroso campo de concentração para eles, no Amapá. E ainda mandou bombardear São Paulo. Mas não saiu do Catete direto para a lata de lixo da História: suspeitando que seria preso e julgado, tratou logo de eleger-se senador, eventual recurso (e refúgio) de gente soez.
Por essa e por outras é que é um tanto irritante ouvir as pessoas dizendo que “o Brasil nunca esteve tão dividido”, que as eleições jamais foram “tão polarizadas”, que fulano é “o pior presidente de todos os tempos”. Faz 522 anos, dois meses, 22 dias e algumas horas que o Brasil é um lugar meio ruinzinho, sabe? E exatos cem anos que Seu Mé ocupa o posto de “pior presidente de todos os tempos”.
Mas que tem gente de olho no título dele, ah, isso tem.