A multidão avançava cantando rumo à sede do poder: “Queremos Dom Pedro II/Embora não tenha idade/A nação dispensa a lei/ E viva a Maioridade”. Apesar da presença de populares, quem liderava a marcha eram políticos golpistas. Autointitulados golpistas, aliás.
Afinal, como o próprio chefe da procissão dissera: “Trata-se de um ato revolucionário, embora seja também um golpe de Estado”. O nobre deputado achava que golpes eram “deploráveis”, mas “admissíveis em casos extremos”. E aquele parecia ser caso extremado.
Se você faltou a essa aula, ou ela nunca lhe foi dada, refresco sua memória: o imperador Dom Pedro I tinha sido forçado a abdicar em 1831 – devido ao assassinato do jornalista Libero Badaró. Não havia relação direta entre Dom Pedro e os homens que mataram um de seus mais ferrenhos críticos. A não ser, é claro, que um deles morava no condomínio Vivendas da Barra.
Ops, desculpe, estou trocando as bolas. Fato é que Dom Pedro não resistiu à pressão e caiu. Há quem considere que a real independência do Brasil se deu naquele dia 7 – não 7 de setembro de 1822, mas 7 de abril de 1831.
Dom Pedro I então abdicou em favor de seu filho, Dom Pedro II. Mas o artigo 121 da Constituição de 1824, que ele mesmo havia outorgado (e não promulgado), rezava que Pedro II só poderia assumir o trono aos 18 anos – e o guri só tinha cinco! Começa aí o período regencial, quando o Brasil rachou. Os gaúchos contribuíram com a esbórnia, deflagrando a tal Guerra dos Farrapos. A guerra ainda comia solta em 1840 quando o Partido Liberal propôs pela terceira vez uma emenda constitucional para antecipar a maioridade de Dom Pedro II.
Quando a proposta foi rechaçada por apenas dois votos (18 a 16), o líder do Partido Liberal urrou: “Não é golpe o ato que satisfaz a vontade do povo”, e deixando de imediato a “Câmara prostituída” partiu rumo à Quinta da Boa Vista para jogar a coroa na cabeça e um país nas costas dum assustado pirralho de 14 anos. O “povo” o acompanhou, dançando e cantando: “A nação dispensa a lei, e viva a Maioridade”. Muitas nações já dispensaram a lei. Mas quantas o fizeram cantando e dançando?
Juro que estava disposto a preencher esse nobre espaço com qualquer assunto que não fosse história – ainda mais com viés político. Mas que culpa tenho se, além de gritantemente atual e didático, o caso em tela se deu em 23 de julho? Sim, 23 de julho de 1840, que passou à história como o dia do Golpe da Maioridade.
Faltam 70 dias para as eleições nesse país de marchas e contramarchas, de golpes de mestre e mestres de golpes. Meu consolo é que o golpista de plantão pode ser tudo, menos mestre. Além do mais, parece que canta mal e rima ainda pior. Mesmo assim, espero que acabe dançando e, se marchar, que vá direto pro quartel, de onde, aliás, já foi expulso.