Minha relação com o dinheiro é feito a de um cocainômano. Quanto o tenho, tenho a certeza de que não haverá de se finar – e cheiro-o todo de uma sentada só. Tão logo reduzo o vil metal a pó – e sempre o faço –, entro de imediato em síndrome de abstinência, viro gigolô de palavras e saio a vender por preço igualmente vil meu único bem: o verbo, que por vezes ponho a serviço de causas menos nobres que a literatura ou, vá lá, o jornalismo, entregando não só verbos e advérbios como até ,oh céus, adjetivos para quem não os merece.
Minha relação com o trabalho é feito a de um daqueles cristãos das Filipinas durante a Semana Santa. Adoro o trabalho, eu o venero e reverencio. Mas quanto o tenho – e sempre o tenho –, trato de transforma-lo logo numa cruz e me curvo para carrega-lo pesadamente. Enquanto não o reduzo a pó, qual um condenado a trabalhos forçados numa mina de sal, ou naquelas pedreiras dos antigos romanos, sigo na labuta e nem preciso de carrascos, pois trato de me autoflagelar, após esgotadas não só minhas forças, mas todas minhas conjunções subordinadas adverbiais – e as conjunções adversativas e as concessivas também.
Minha relação com o ócio é feito a de um daqueles dândis da Inglaterra na virada do 19 para o 20. Quando ocioso, rápido me torno também um mandrião, um malandrim, um indolente, um folgazão, recostado na flacidez cintilante das almofadas de cetim, à sombra das raparigas em flor, entre baforadas no narguilé, a bebericar anis, pestanejando ante um antigo conto árabe e dissipando a fortuna que nunca tive, a antever a hora em que terei de recolocar minhas parcas e rotas letras à venda no ciclo sem fim.
E já vou avisando que dispenso o dito “ócio criativo”,, pois que criatividade nunca me faltou – talvez o problema seja justo o oposto. O que me recorda, aliás, de um artista porto-alegrense que encontrei ao pé de um muro roído pelo sol e quando perguntei-lhe como ia, ele apontou com um indicador para a fronte e disse: “Muita ideia” e com o outro indicador a roçar no polegar, completou: “E pouca grana...”.
Devaneio em torno desses temas provocado pela leitura de “O Elogio do Ócio ”, coletânea de ensaios de um de meus autores favoritos, Robert Louis Stevenson. “Supõe-se que a existência de pessoas que se recusam a entrar no páreo por dinheiro é ao mesmo tempo uma ofensa e um desestímulo às que entram”, escreve ele. E então, num relance, vislumbro meu destino: ir parar numa ilha longínqua, ser reconhecido pelos nativos como exímio Tusitala ( “o contador de histórias”) e, quando minha hora chegar, ser por eles conduzido ao túmulo no cume do monte mais alto, entre as palmeiras balouçantes, após dias sem fim e sem dinheiro, nos quais trabalho e ócio nunca deixam de ser a mesma coisa.