Ia escrever sobre isso na semana passada, só que caiu nos 250 anos de Porto Alegre e a efeméride se impôs. Mas o fato é que em 22 de março de 2009, e lá se vão inefáveis 13 anos, Bob Dylan cantou ao vivo pela primeira, única e última vez a música Billy, que compôs para o crepuscular western Pat Garret & Billy, the Kid, de Sam Peckimpah, de cuja trilha sonora também faz parte a imortal Knockin on Heaven´s Door. Quem conhece algo sobre Dylan sabe que ele não apenas é obcecado pela tortuosa saga daquele fora-da-lei, como já declarou – quem sabe se não a sério? – ser uma reencarnação do “desperado” que perambulou pelas trilhas polvarentas do Novo México, desferindo tiros e colecionando crimes, até ser morto aos 21 anos, após supostamente matar 21 pessoas – “sem contar mexicanos e índios”.
Seja por minha própria obsessão por Dylan, seja pelo meu interesse pela história do Velho Oeste, acabei por me tornar um devotado estudioso da saga de Billy. Li uns 20 livros sobre ele, vi meia dúzia de filmes e, coroando essa trajetória, fiz a introdução e editei, para a L&PM, a biografia que o xerife Pat Garret escreveu sobre o bandoleiro do qual tinha sido o melhor amigo e que foi contratado para matar. Juntei-me assim a uma obstinada estirpe de pesquisadores capturados pelos mistérios e misérias, pela misantropia e pela mística do Kid.
Ninguém sabe ao certo quando e onde Billy nasceu. Há quem diga que foi nos cortiços de Manhattan, em 1859, justo na época das Gangues de Nova York. A mãe de Billy, uma viúva irlandesa, teria ensinado o filho dentuço a arrancar a cabeça de ratazanas vivas em tabernas portuárias. Premida pelas dívidas, ela botou o filho nas costas e o pé na estrada, mas bateu as botas, vítima da tuberculose, em Silver City, Novo México, quando o Kid tinha só 13 anos. Ele foi preso pela primeira vez aos 14, ao roubar roupas de uma lavanderia chinesa e aos 16 matou sua primeira vítima: um sujeito que lhe fazia bullying. E aí, fugindo do curto braço da lei, Billy virou cowboy, tornou-se amigo do então bandoleiro Pat Garret e envolveu-se na infame “Guerra do Gado” do condado de Lincoln, o conflito entre barões do gado que queriam o monopólio do fornecimento de carne para o Exército dos EUA.
Billy Dylan, ops Bob Dylan só podia se apaixonar pela saga do rebelde que “cavalgava solitário, tão longe de casa”, perseguido por caçadores de recompensa e tolos sem noção. Dylan compôs a trilha e atuou no filme de Peckimpah. Mas nunca havia cantado a música ao vivo – até aquela fria noite de 22 de março, em Estocolmo, quando, com a voz rascante, exalando substâncias, antigas feridas e toda história do Wild West, enfim incorporou seu anti-herói ao vivo. Vi 71 shows de Dylan. Ainda bem que faltei a esse: meu desmaio poderia estorvar aquela epopeia.