Já se passaram – oh céus – mais de 40 anos desde que estive pela primeira (e única) vez no México. Tenho medo de voltar lá – não por causa dos traficantes, das milícias, do presidente negacionista, do abismo social, da violência e da corrupção: com isso estou acostumado. Tenho medo é de ver o que o turismo fez com os lugares intocados e virginais que conheci em 1978.
Cancun, por exemplo, que era como um dia foi a Praia do Rosa e que agora, tal e qual ela, virou um pesadelo – não faltando nem bolsominions sem máscara de férias. Ou as ruínas de Tulum, por entre cujos muros carcomidos pelo sol me esgueirei para dormir à luz das estrelas, luzindo como luziam para os maias. Ou Chichen Itzá, onde vi a sagrada serpente emplumada se materializando entres sóis e sombras nas escadarias da pirâmide em pleno equinócio.
Tenho medo de voltar a percorrer as paisagens sagradas e intactas, as ruínas sibilantes, os “llanos en llamas” pontilhados de cactos, as praias de águas translúcidas e areias faiscantes. Porque elas não estarão mais lá. Mas dentro de mim, o México vive, intenso e dramático, numa sucessão de imagens silhuetadas, desfilando à sombra do vulcão, como no romance embebido em mescal de Malcolm Lowry, ou no Tesouro de Sierra Madre, a exalar ardor e cobiça. Imagens feito pimentas ardentes ao sol que arde. E chocolate (chocohuatl), abacate (ahualcatl), tomate (tomatl) e tequila às margens do rio que canta.
Viva Eisenstein e viva Zapata, nas montanhas em flor. E Pancho Villa cavalga pela vila deserta, as pedras do caminho a soar como castanholas. E Ambrose Bierce, gringo viejo, some no labirinto da solidão, enquanto copos de leite balançam na aragem perfumada num mural de Siqueiros. Rivera gargalha na casa verde de Frida Kahlo; uma picareta vai furar a cabeça de Trotsky no Dia dos Mortos. Artaud dança mascarado com os Tahaumara nas escusas ranhuras da Sierra Maestra; Castaneda e Don Juan penetram numa realidade separada.
Também já estive nela. Em Palenque, ingeri os cogumelos que me fizeram ter certeza de que fui um escriba maia numa vida anterior. Em Monte Alban, a capital ritual dos zapotecas, ainda rescendendo a sangue e sacríficos humanos, um vigia espectral encostou sua carabina na minha testa e disse: “Qué hacés acá, gringo?”. Em Real de Catorze, subestimei o poder do peiote e ele me fez mergulhar numa longa e estranha jornada por meus próprios meandros e volteios. Bad trip, mas não sinuosa o bastante que eu que deixasse de amar o México.
Sei lá porque relembro disso tudo agora. Deve ser porque estou farto do país das milícias, do presidente negacionista, do abismo social, da violência e da corrupção. Queria ir para o México. Um México que não existe mais – a não ser dentro de mim, onde nada poderá atingi-lo. Hasta la vista, baby.