Da rebeldia icônica de Marlon Brando em O Selvagem (de 1953) ao discreto charme de O Selvagem da Motocicleta, de Coppola; da bravura indômita de Sem Destino (1969) à garupa de Che Guevara em Diários de Motocicleta; da iluminação desacelerada de Zen e a Arte da Manutenção das Motocicletas ao mergulho nas correntes do inferno com o Motoqueiro Fantasma, as motos sempre zuniram pelas telas do cinema e pelas páginas da literatura como símbolo de liberdade e contestação.
Nesses casos, porém, era a arte imitando a vida, pois as gangues de motoqueiros e os rebeldes com ou sem causa já vinham há uns anos galopando seus cavalos de aço pelas ruas e estradas dos Estados Unidos – e a seguir pelas do Ocidente inteiro. Sobre duas rodas, eles afrontavam a lei e a ordem, desafiando a sociedade, acordando a burguesia de seu torpor e anunciando uma ruidosa revolução de costumes que, se jamais se concretizou, ao menos abalou o status quo.
Embora a mais famosa gangue de motoqueiros do planeta, os infames Hell´s Angels, sempre tenha se revelado um bando de reacionários – responsáveis pelo fim da era hippie ao esfaquearem pelas costas um estudante negro num show dos Rolling Stones –, ainda assim sempre foram vistos como “outcasts”, à margem da sociedade e em choque com ela.
Mas, faz já três décadas, o Brasil viu brotar feito cogumelos, a veloz e barulhenta figura do motoboy, esse estafeta motorizado. Com a pandemia e o advento do tal iFood, eles se tornaram onipresentes, zumbindo pela cidade feito enxame de abelhas. Na minha rua, abriu, há pouco, uma hamburgueria fedida que trabalha com telentrega. A frente da loja virou sucursal dos Demônios do Asfalto. Eles andam na contramão e sobem na calçada, eles têm a cara fechada e a descarga aberta, eles ignoram as leis do trânsito e as regras de civilidade.
E por que não o fariam? Além de ganharem pouco (essa espécie de Uber que monopoliza a telentrega lhes garante ocupação, mas não emprego nem direitos), o povo tem fome e pressa – e o dono da carne moída também. A fiscalização está de quarentena e os boys e suas motos sabem que rodam no país onde as leis de trânsito não valem nada. E não ignoram que, caso se metam em brigas de trânsito, terão uma legião de colegas para defendê-los.
Isso posto, que outro meio de transporte seria mais apropriado para o presidente mais retrógrado e desrespeitoso de todos os tempos do que uma moto? Depois do Rio, o capitão reformado agora ameaça fazer sua próxima “motociata” em Porto Alegre. Se tivesse um pingo de coerência, esse motoqueiro fantasma a faria sem máscara, sem capacete, sem carteira e na contramão. E, depois de trocar apertos de mãos e perdigotos com os Anjos do Inferno, bem ali no Parcão, entregaria a comida fria no endereço errado. Vruuummm....