Não lembro nada de meu aniversário de um ano. Nem do de dois, do de três e do de quatro. Mas lembro tudinho de meu quinto aniversário. Foi num prédio estilo Gothan City, em São Paulo, na esquina da avenida São João, onde alguma coisa aconteceu no meu coração. Minha namorada de infância e eu fugimos da festa chata e subimos as escadarias apertando em todas as campainhas. Voltamos cobertos da fuligem, feito Bonnie & Clyde.
Meu aniversário de dez anos marcou época em Porto Alegre, para onde a família havia retornado. Inspirada nas festas dos meus colegas ricos de São Paulo, minha mãe contratou até um mágico. Tinha pingue-pongue e minisnooker. Mas ela decorou a mesa com frutas de cera – e elas ficaram cheias de pequenas dentadas. Já eu, mordi só a maçã do amor, pois a namorada de infância estava lá.
Na tarde do meu aniversário de 15 anos, conclui que se “debutasse” virgem, minha masculinidade ficaria abalada. Então, fui até um lugar apropriadamente chamado Sucata. Madame Min abriu a porta e disse: “Sim?”. Eu disse: “Não, obrigado”. Mas após a festa – à qual a namorada de infância compareceu –, voltei lá com os amigos. Perdi a virgindade e ganhei uma gonorreia.
Com o salário de fome que ganhava como estagiário em ZH, alimentei os amigos e a namorada de infância no dia dos meus 18 anos. Tomei um porre e vomitei na sacada. Mas ela sorriu para mim e o enjoo passou. Meus 20 anos passei-os na Argentina, onde fui condecorado como o repórter mais jovem (e mais mal pago) da história das Copas. Meus 21 anos, passei-os nas ruínas maias no México. O cardápio foi hongos à fine herbs. Estava bom até os fantasmas de conquistadores espanhóis me fazerem perder a cabeça.
Meus 30 anos, passei-os em comunidade, no mato, com minha mulher e as duas filhas. Não era a namorada de infância, mas ela também estava lá. Meus 40 anos, passei-os numa pizzaria fuleira onde aniversariante não pagava. Estava com minha mulher – que não era nem a primeira nem a namorada de infância – e com a terceira filha. Eu não tinha um tostão, mas acabara de escrever o livro que me deixaria milionário.
Nos meus 50 anos, eu já tinha gasto tudo e estava a trabalho na China, com minha mulher – que não era nenhuma das três anteriores. Os meus 60 anos, passei-os com ela e uma das filhas, em Woodstock, na casa onde Bob Dylan e The Band moraram. Para entrar nela, digitei um código feito só para mim: 30.05.58. Foi dos melhores dias da minha vida.
O dia dos meus 62 anos foi o primeiro em que sai de casa após dois meses recluso por causa da Covid-19. Que um ano depois eu ainda não tenha tomado a segunda dose e a peste siga solta só reforça meu juramento: vou infernizar esses negacionistas e esse governo sórdido até o dia do meu aniversário de 100 anos. E já aviso que, sem ser dos meus quatro primeiros aniversários, eu sempre lembro de tudo.