A música derrubou as muralhas de Jericó. A música captou o som das estrelas e das esferas nas sinfonias de Beethoven e sonorizou a ascensão da humanidade do caos aos cosmos, com Strauss na abertura de 2001. A música definiu a alma do Brasil, desde o lundu e do samba até a fossa e a bossa que embalou o mundo no balanço da garota de Ipanema. A música – feroz como rock, ancestral feito o blues, profunda igual ao soul, rural qual o country – fundiu-se no delta do Mississippi, ganhou vida na eletricidade de Chicago e, como na parábola bíblica, pôs abaixo o muro da vergonha, as paredes da caretice, o tapume do conformismo.
Pedrinho Sirotsky seguiu essa trilha sonora com fervor religioso e viés profético, igual ao povo que abriu o mar da intolerância para chegar na terra prometida das canções de redenção. E o sonho de Pedro, tão logo ele percebeu que fazer música não era o seu melhor (apesar das raízes afinadas da família), passou a ser divulgar música, amplificar a música, propagar a música no tempo e no espaço, como se fosse mesmo autofalante. E isso ele tratou de fazer nas ondas do rádio, nos raios catódicos da TV, nos bailes e festas que embalaram os sábados à noite. Meninos, eu vi, eu ouvi, eu dancei.
Mas, de repente, o sonho acabou. E mesmo que tivesse dormido no spleeping bag, Pedro teve que trocar a velha calça azul e desbotada pelo terno e o nó no pescoço e seguir pela estrada a fora do desafinado mundo corporativo. Passados 40 anos desse amor interrompido, Pedrinho Sirotsky está de volta, outra vez atrás da cor do som, com olhos e ouvidos bem abertos para as sonoridades do mundo, seguindo the sound track que ecoa pelo globo. E faz essa viagem na pele e na alma de Mr. Dreamer, que rastreia o planeta apostando no sonho que já foi – e continua sendo – dele. Pois sonho que se sonha junto...
Essa é a trilha de Mr. Dreamer, um docudrama bem dirigido por Flávia Moraes, bem roteirizado por Marcelo Ferla e bem estrelado por Pedrinho, no papel do fazedor de sonhos que desembarca em Dublin e, qual um flautista de Hamelin às avessas, sai atrás de jovens músicos locais para desvendar-lhes os sonhos, os sons e os acordes, para que eles acordem e vivam a plenitude de seu universo musical. Mr. Dreamer é o cara que quer registrar o som das estrelas nascentes, desde o Gênesis até as supernovas, qual um Supertamp – nem que seja para anunciar que, se seguirmos entoando esse canto torto feito faca, as trombetas do Apocalipse vão mesmo troar.
O episódio – que se espera seja o primeiro de uma série – estreia hoje no Now e logo estará no Globoplay. Tomara que em breve dê para escutar os sons de Nova York, Moscou, Jerusalém e do Porto de Elis, claro. E que eu possa continuar à vontade na hora de elogiar meus amigos – mesmo que um deles faça as vezes de patrão.