Irrompeu com o improvável nome de "Revolta da Vacina"– mas seria mais apropriado chama-la de "revolta contra a vacina". O estopim da virulenta insurreição que eclodiu no Rio de Janeiro em novembro de 1904 foi, de fato, a recusa de parte da população da cidade –em especial as classes baixas – de aceitar o cumprimento da lei que, em 30 de outubro daquele ano, havia tornado obrigatória a vacina contra a varíola.
Quase desconhecida no Brasil, mais de cem anos após sua descoberta em 1796, a vacina era vista com desconfiança no país. Edward Jenner, seu descobridor, fora atacado e ridicularizado na Europa antes que a eficácia de seu procedimento ficasse comprovada. Mas em 1800, após a Marinha britânica tornar a prática obrigatória, todas as nações civilizadas adotaram a vacina.
A aprovação da lei no Brasil – mais de cem anos depois da Inglaterra – fora uma vitória pessoal de do jovem médico Oswaldo Cruz, recém-chegado de Paris. Mas além de considerada "nociva à saúde" (fake news davam conta de que ela causava mortes e sequelas), a vacina era tida também como "violadora de lares" e o "túmulo da liberdade". Duas figuras notáveis – Ruy Barbosa ("a maior mentalidade da nação") e Olavo Bilac ("o príncipe dos poetas") ergueram-se contra ela. Mas foi o povo dos morros que saiu às ruas tombando os bondes, saqueando lojas, derrubando postes. Tudo começou em 10 de novembro após um orador ser preso ao discursar a favor da "desobediência civil".
A carestia, a inflação, o desemprego, o aumento dos aluguéis, o projeto elitista de remodelação urbana do centro do Rio: tudo se fundiu para criar um coquetel explosivo. A revolta contra a vacina foi o pretexto para a eclosão de um levante genuinamente popular. Como tantos, esse também foi sufocado a ferro e fogo. Ao obter do Congresso a decretação do estado de sítio, o presidente Rodrigues Alves usou e abusou dos poderes que a lei de exceção lhe concedeu e ordenou que a polícia invadisse as favelas. Centenas de suspeitos foram presos, jogados em porões de navios e enviados para o Acre.
Mas o Congresso havia concedido poderes discricionários ao presidente não para combater desvalidos, mas porque em 15 de novembro – aniversário do golpe militar de 1889 –, cadetes da Escola Militar da Praia Vermelha, liderados por um general, saíram da caserna para tentar tomar o palácio do Catete. Tropas leais ao governo reagiram e 200 rebeldes foram mortos. Não apenas isso: mais tarde, o amplo prédio da Escola Militar foi posto a baixo.
Ou seja: a vacina venceu, os negacionistas foram derrotados e os golpistas punidos. Se a história se repetir não será, portanto, uma tragédia. Deve ser por isso que tem gente apostando na farsa.