Deu-me uma tristeza resignada essa oposição do Bolsonaro à vacina do Instituto Butantan. Não foi revolta, o que senti, não foi irritação; foi tristeza. Porque é desanimador constatar que o Brasil é assim, e talvez nunca deixe de ser.
Já passei por outras desilusões brasileiras, verdade. Experimentei todo o período da ditadura e, naquela época, achávamos que a democracia resolveria os nossos problemas. Sabe por que achávamos isso? Porque HAVIA problemas. Ao contrário do que os patéticos defensores do regime militar apregoam hoje, naquele tempo vigia o desemprego, a inflação e a dívida externa, entre outros males.
Como acreditávamos na democracia, a campanha pelas Diretas Já, em 1984, foi linda. Naquele ano, nova desilusão: não deu. Mas, em 89, o Brasil passou pelas mais espetaculares eleições da sua história. Foi lindo também. Só que quem se elegeu foi Collor. Então, passados dois anos, já estávamos abatidos outra vez.
Aí veio o improvável Itamar Franco e o genial Plano Real. O Brasil conseguiu algo que muitos julgavam impossível: venceu a inflação. O sucesso do Plano Real propiciou anos de estabilidade. A eleição de Lula parecia fazer parte de uma decorrência natural: depois do presidente intelectual, era chegada a hora do operário. Não se tratava de uma ruptura, era uma mudança continuada. A democracia brasileira caminhava para o amadurecimento e, com ela, conduzia a economia e o bem-estar da população.
Então, aos poucos, o que era suave foi se tornando áspero. Como isso aconteceu? Tenho aqui alguns personagens para responsabilizar. O principal deles, Fernando Henrique Cardoso. A aprovação da reeleição é culpa dele. Quase toda a classe política queria a reeleição, sim, mas, se Fernando Henrique não quisesse, o projeto não iria adiante.
A reeleição é uma desgraça, para um país como o Brasil. Uma rotunda desgraça. Se cada presidente tivesse cumprido apenas um período e, depois disso, se retirasse para a vida privada, não teríamos passado por tantos sobressaltos. A possibilidade de um presidente se reeleger e, após um mandato de interrupção, eleger-se novamente, essa possibilidade dá, aos políticos ambiciosos, a ideia de que podem se eternizar no poder. Nada pior do que isso.
Foi com essa motivação que se movimentou o PT no governo. E, quando o projeto de poder do partido se tornou viável e sólido, quando dava a impressão de se transformar em uma força imbatível, outras forças se levantaram. Entrou em vigor a terceira lei de Newton:
“A toda ação há sempre uma reação oposta e de igual intensidade”.
A nova direita foi essa reação. Mas, enquanto o bolsonarismo cozinhava em fogo nem tão brando assim, passamos por mais uma desilusão: a Lava-Jato. Acreditamos que a Lava-Jato, como a volta da democracia, como a derrota da inflação, encaixaria o Brasil em outros trilhos. Acreditamos que a política seria mais séria, mais responsável, mais consequente.
Não foi o que aconteceu. Os velhos políticos, cavilosos, moles e peçonhentos, voltaram ao mando. Ou, antes: mantiveram-se, porque o que houve foi um recuo estratégico, eles nunca deixaram de mandar. Agora, estão todos aliados: Bolsonaro, PT e o Centrão, unidos, promovem ao STF um juiz que entrará para soterrar de vez a Lava-Jato.
Tudo isso é desalentador, mas nada causa maior prostração do que a ação demagógica e obscurantista de Bolsonaro quando se opõe a uma vacina por razões eleitorais. Sob a alegação de que a vacina do Butantan seria “de Dória”, ou seja, de um provável candidato a presidente em 2022, Bolsonaro avisa que o governo não a comprará e coloca a saúde da população em risco. É pior do que ignorância. É pior do que atraso. É má fé. Como não se entristecer, com esse Brasil?