Os primeiros europeus a chegarem ao Novo Mundo decidiram chamá-lo de Vinland – "a terra do vinho". Isso foi cinco séculos antes de as artimanhas de Vespúcio fazerem com que essa vasta massa continental fosse batizada de “América”. Para os 80 mil imigrantes, italianos como Américo, que, entre 1875 e 1901, vieram dar com os costados nas encostas da serra gaúcha, o nome dado pelos vikings deve ter soado como amarga ironia. Afinal, pelo menos de início, parecia impossível cultivar uvas e produzir vinho naquelas escabrosas lonjuras.
Claro que, em sua parca bagagem, os italianos tinham trazido mudas. A questão é que, como acontecera com os alemães no Vale do Sinos meio século antes, os parreirais não vingaram. Pelo menos não até eles apelarem para a uva nativa da América do Norte – a variedade chamada isabel (possivelmente a mesma que os vikings haviam visto e provado). Pena que de tal uva resultasse um vinho de baixa qualidade. Mas ao menos eles passaram a dispor de sua bebida predileta, pois, de início, os italianos sorveram só o cálice da amargura, junto com o pão que o diabo amassou.
Após serem precariamente arranchados no "barracão dos imigrantes", na Praia de Belas, às margens do Guaíba, na então periferia de Porto Alegre, os colonos partiam, pela via do Rio Caí, em busca de seus sonhados lotes, em meio à mata, no meio do nada. Chegando à porção de terra que lhes cabia, cada família abria uma clareira, fazia uma cabana coberta de folhagens e a chamava de lar. O milho crescia bem e, depois de disputá-lo com os pássaros e os roedores, os italianos tinham polenta. Ainda assim, o que os sustentou nessas priscas eras foi o pinhão – base também da dieta dos caingangues, os "bugres" que "infestavam" a região e que seriam dizimados.
Então, os vinhedos germinaram e o vinho encheu pipas e barris. Na sequência, vieram as cooperativas, as cantinas, os pioneiros e até os primeiros barões do vinho. O sangue da Serra, abençoado por frei Damião, virou precioso, imitou o Reno, jorrou como sangue de boi e gerou granjas, união e alianças ao romper da aurora. Mas, produzido sem requinte – ou adulterado por comerciantes inescrupulosos –, chegou a ser chamado de "dor de cabeça engarrafada". E em garrafão.
Até que, no crepúsculo do século 20 – depois que os italianos já tinham transformado fogueiras em fundições, carroções em carrocerias, florestas em serrarias, domando cachoeiras para que elas lhes movessem os moinhos e lhes dessem luz – deu-se o milagre da transformação do vinho e da multiplicação dos varietais, transubstanciando-se de vez o sangue da terra. Um século e meio após a chegada dos italianos, o vinho gaúcho enfim sonha em inebriar o mundo.
Foi esse esforço épico que descrevi para um amigo inglês quando ele me perguntou: "Quem fala bem do vinho gaúcho?" Mas, para não pisarmos em ovos – nem em uvas – abrimos um espumante.