Decidi passar a virada do ano numa praia de Santa Catarina. Creio que outras 845.723.916,3 pessoas também. Mas não sei se alguma delas teve epifania como a minha. Também não sei se devo atribuí-la ao sol na moleira, à mixórdia da trilha sonora, ao álcool e demais substâncias ou se à memória dos tempos em que aquilo tudo era meu – e caminhávamos três horas para chegar ali. O fato é que algo aconteceu no meu coração e, ao me sentir como quem cruza a Ipiranga com a Avenida São João, tive uma visão!
Uma estrada litorânea, construída beeem à beira-mar, na areia mesmo, agora une Laguna à Pinheira. A BR-101 ainda existe (tem 16 pistas), mas é mera via de escoamento. A estrada legal é a costeira, de duas pistas (em cada sentido, claro). Como as autoridades foram previdentes, os prédios ali só podem ter 32 andares e apenas do lado esquerdo de quem sai de Laguna. Assim, os motoristas são brindados com a visão do mar pelas frestas entre os bares e quiosques, a não ser, claro, quando ingressam nos túneis que perfuram o morro de Imbituba, o morro entre Ibiraquera e o Rosa e a serrinha que separa a Ferrugem do Silveira. Já o sambaqui entre a Barrinha e a Ferrugem foi terraplanado e as colinas da Praia Vermelha também. Mas, pelo menos, não são mais privadas.
Aliás, privado nada mais é! A praia tornou-se, enfim, um espaço democrático. Em todos os sentidos: no arquitetônico, estão liberadas construções em todos os estilos e em tudo que é canto. Essa história de preservação do tal "terço superior" dos morros, das margens de rios, lagoas e mangues era pura balela de ecochatos. Habitações populares, desde que sem reboco e com esquadrias de alumínio, também são bem-vindas. Por que só casarões? O estacionamento é livre, mas, para não atrapalhar o trânsito, só sobre o que restou das dunas.
O melhor é o som: cada qual pode ouvir o que quiser, no volume e à hora que quiser. Claro, há tsunamis sonoros, e o pessoal do funk, do sertanejo e do pagode às vezes precisa curtir o som do vizinho... Pelas lagoas de Ibiraquera e Garopaba – enfim iguais à Lagoa Rodrigo de Freitas –, enxames de jet skis zumbem feito abelhas. Só não produzem mel. O Rio Siriú secou, mas o da Guarda, retificado, corre direto para o mar. Um aterro une a Pinheira à praia de Naufragados, na antiga ilha de Santa Catarina (que afinal tem ligação direta com o continente, embora a ponte siga engarrafada). O Parque da Serra do Tabuleiro virou pracinha com balanços e gangorras, em meio a um gracioso condomínio todo de aço. Gente do mundo inteiro vem apreciá-lo e ver o esqueleto da última baleia.
Quando achei que ia pirar, concluí que estava apenas sendo agraciado com uma antevisão duplamente concreta: era a fiel materialização dos desejos, sonhos e anseios de tantos daqueles que alegre e despreocupadamente compartilhavam de tais areias e mares comigo. Por isso, anuncio: o futuro já chegou, amigos. E ele é bem movimentado.