O mundo já vivenciou mais trevas e dores do que luzes e concórdia ao longo dos milênios em que escorre a civilização. Mas não resta dúvida de que houve lugares e tempos em que o sublime parece ter cintilado na Terra. De todas as épocas de ouro, minha favorita floresceu no Al-Andalus, como os mouros batizaram a refulgente nação que estabeleceram no que antes já quase era e que depois com certeza viria a ser a Espanha. Foram necessários só sete anos para conquistar o território que por sete séculos viveu sob égide islâmica. A ocupação se iniciou em maio de 771, quando o exército de Tarik ibn Ziyad cruzou o estreito que leva seu nome: Gibraltar (de Jabal al Tariq, ou "montanha de Tarik"). Mas a nova historiografia ibérica tende a considerar esse movimento mais que mera invasão: terá sido uma missão civilizatória que levou à Península vastas inovações e várias benesses.
Entre outras coisas, os berberes quiseram ensinar os iberos a tomar banho – nem todos aprenderam.
Mas as fabulosas termas e "banhos turcos" foram pequena parcela dos hábitos, técnicas, ciências e artes de rebuscado requinte e comprovada eficácia então introduzidos – junto com as laranjas – no sul da Espanha e de Portugal. Entre as cintilações proporcionadas pelo Califado de Córdoba e pelos sultões da dinastia Nasrida (senhores do palácio de sonhos da Alhambra, em Granada), estão a arquitetura de sublime esplendor, a astronomia e a astrologia, a medicina, a álgebra, a poesia de refinamento inaudito e forte teor erótico ou religioso; a música profana e a sacra, a criação de cavalos "árabes", os bálsamos e perfumes de inebriante aroma, o xadrez, o plantio em degraus e a irrigação arrojada; as almofadas, tapetes e azulejos; o sexo simultaneamente sagrado e tórrido, as banheiras de mármore, as janelas "manuelinas" enquadrando os alvos cumes da Serra Nevada; os rios sussurrando como se gratos por virarem canais translúcidos e, é claro, os primeiros hospitais, bibliotecas e universidades públicas de que se tem notícia. Tudo fruto da Idade de Ouro Islâmica, do século 8 a fins do século 15.
Ali, a jardinagem foi elevada ao status de arte viva. Na sombra projetada por altos e rubros muros, os paisagistas árabes plantavam fileiras de plátanos, palmeiras, laranjeiras e limoeiros e canteiros sem fim de rosas e jasmins, ao redor de um tanque geométrico central, revestido de azulejos azuis. As águas jorravam refrescando o ar e seu murmúrio tinha efeito hipnótico. Não é à toa que "paraíso" é palavra advinda do persa pairidaeeza, ou jardim celestial.
Tudo isso esmoreceu e murchou em 1º de janeiro de 1492, quando Isabel, a Católica, com seu fervor religioso e monolítica intolerância, tomou Granada, último bastião da Andaluzia. Com o dinheiro saqueado aos vencidos, ela financiou a expedição de seu favorito, Colombo, o portador de Cristo.
De lá para cá, lamento informar, o mundo não melhorou.