Amo os livros desde que me conheço por gente. Ainda lembro (e cá ainda tenho) do primeiro livro que comprei com a grana da mesada: A Pré-História, de Grahame Clark. Tinha nove anos e ele custou nove cruzeiros. A compra se deu na lendária Livraria do Globo, na não menos lendária Rua da Praia, em maio de 1967. Naquele mesmo mês e ano, meu pai evitou que eu virasse um mala completo e, num sábado de sonhos, levou-me à Livraria Aurora e me deu de presente a coleção completa de Karl May: os três volumes de Winnetou e a série Através do Deserto, Pelo Curdistão Bravio e De Bagdá a Istambul, que moldaram para sempre minha vida, despertando irrefreável paixão pelo Velho Oeste, pela civilização árabe e, é claro, pelos livros ilustrados de capa dura, pelos sebos e pelas livrarias.
Desde então, estive em quase todas as míticas livrarias do mundo, da Strand, de Nova York, à Shakespeare & Co de Paris; da El Ateneo, em Buenos Aires, à centenária Foyles, em Londres; dos sebos de Charing Cross, também em Londres, à Lello Irmãos, no Porto; da Nicolás Moya, de Madri (fundada em 1862 e ainda na ativa), à City Lights, dos beats de San Francisco; da Llibreria Antiquària Maldà, de Barcelona (repleta de raridades de séculos já idos), à incrível Atlantis, em Santorini, na Grécia (especializada em livros sobre a Atlântida!); da Moscou House of Books à Hangzhou Zhongshuge Bookstore, tão grande quanto a China. Além, é lógico, da La Ciudad, em Buenos Aires, onde Borges passava manhãs inteiras – e eu o vi lá, no dia em que comprei a versão em espanhol de On the Road, e decidi que iria traduzir o livro.
Claro que tive minhas paixões locais e nacionais. Em Porto Alegre, a Coletânea, a Kosmos, a Lima, a Sulina, a Martins Livreiro, a Prosa i Verso (onde autografei On the Road como se meu fosse), a heroica Palmarinca. No Rio, a Leonardo da Vinci, a Dazibao, a Dantes, a Argumento. Em São Paulo, a Buks, a lusitana Duas Cidades, a Belas Artes (aberta de madrugada), a Hórus (só de esoterismo). E então chegou a hora de dizer a que veio esta crônica: nunca fumei a tal Livraria Cultura. Sempre a achei arrogante, metida a besta, hegemônica, prepotente. A Saraiva então, zulivre: tem uma ao lado da minha casa e quase nunca tiveram meus livros lá... mas vendem celulares. Então, tem um lado que estou nem aí que ambas pediram recuperação judicial. A questão é que o fizeram devendo milhões para as editoras, sem devolver os livros em consignação e após obter vultosos empréstimos do BNDES.
Sempre chorei com o fechamento de livrarias – não é algo que melhore o mundo. Pelo contrário: o mundo atual, da burrice-ostentação, da terra plana e da escola sem partido, imbecil e imbecilizante, venceu de novo. Mas julgo o fechamento da gaúcha Palavraria, por exemplo, bem pior. E a Palavraria fechou sem dever nada para ninguém.
Dê livros de Natal, diz a campanha. Pois dê – mas escolha bem o lugar onde vai comprá-los.