Era uma vez um barbeiro – no tempo em que barbeiros não faziam só barba, cabelo e bigode, mas aplicavam sangrias, usavam ventosas e tratavam até das lombrigas; na prática, eram médicos. Era uma vez um rei – o único rei europeu que não reinava na Europa, nem sequer vivia lá; um rei bonachão, balofo, que fazia as vezes de bobo da corte. E era uma vez, é claro, um reino – no caso, não um reino independente, mas unido ao de Portugal e Algarves.
O barbeiro era Antônio Plácido Pereira de Abreu – que de fato aplicava sangrias (e, de tão ligado às sanguessugas, parece ter virado uma). O rei era Dom João VI, uma espécie de Montezuma português, pois, tal e qual o desafortunado imperador asteca, viu seu reino ser invadido e ocupado – a diferença é que D. João fugiu. E o reino em questão, você já sabe, era um reino da fantasia chamado Pátria Amada Brasil.
Plácido de Abreu veio para o Rio em 1808, na comitiva da família real, que escapuliu às pressas de Portugal. Era homem de parcos recursos e poucas letras. Mas, por volta de 1810, tornou-se barbeiro do então príncipe regente Dom João – não só cortando-lhe a barba e as melenas, mas também fazendo abluções e cuidando das "coçaduras" régias (o príncipe nunca se banhava; tinha, portanto, inúmeras afecções de pele). Quando Dom João foi aclamado rei, em 1816, "o Plácido" (assim chamado, com artigo definido e tudo) acabou nomeado chefe da real ucharia. A real ucharia era a despensa do palácio real, que o ex-barbeiro logo tratou de transformar em real baixaria. Ele se apoderou dos gêneros alimentícios da cidade inteira: confiscava produtos, armazenava-os e depois os revendia, arbitrava os preços e desregulava o mercado ao bel-prazer, como comprova farta documentação. Seu alvo principal eram os frangos, que D. João adorava, a ponto de armazenar coxinhas nas imundas algibeiras.
Em novembro de 1819, um grupo de cariocas enviou carta ao rei, relatando: "Não há galinhas no mercado nem para o socorro dos enfermos, pois por dinheiro algum se as pode comprar nem encontrar, senão em mãos do galinheiro da real ucharia por custo exorbitante".
O que era ruim ficou pior quando o Plácido estreitou laços com o príncipe Dom Pedro e em 1820 tornou-se sócio dele num negócio escuso de compra e venda de cavalos. Ao saber da parceria, Dom João, em geral manso e pacífico, teve um ataque de fúria e ameaçou "quebrar a cara" do filho com uma bengalada se ele não rompesse a sociedade. Mas o rei se foi e, ao virar imperador, Dom Pedro nomeou Plácido tesoureiro da Casa Imperial – o clássico caso da raposa escalada para cuidar do galinheiro, tão comum nos tristes trópicos.
Mas não adianta você insistir, pois não vou repetir o chavão. Não vou bater na mesma tecla e não direi que "povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la". Só afirmo que é uma boa prender um ladrão de galinhas. Se ela for a dos ovos de ouro e ele for amigo do rei.