Meu amor é eloquente como o silêncio e murmura feito as fontes do Bizâncio. Meu amor sorri como as flores e se veste de três metros de meio-dia. Meu amor se despe, insinuante qual as ondas, e então pisca de soslaio, igual Gioconda. Meu amor desliza sem sobressaltos, de pés descalços, ao som e à luz do céu profundo, tão prenhe de ideias e ideais. Por isso, por vezes, meu amor perde o sono e o siso: solta chispas e faíscas, lança flamas e se inflama da mais pura violência – virulência poética, é claro. Meu amor não precisa dizer que é fiel: ela é transparente como água, transcendente feito o fogo. Meu amor é acetinada qual veludo e fragrante feito o lírio. Mas prefere violeta – nas roupas, ao crepúsculo, nas almofadas junto à lareira que crepita.
Meu amor é um cartão-postal numa gaveta antiga: traz notícias das veredas do sertão ou das alamedas carcomidas de Veneza. Meu amor passeia calada na calçada-passarela e desfila ruidosa na passeata contra hipócritas de gravata. Meu amor cita poetas obscuros de versos transluzentes. Meu amor escreve, desenha, verseja, corta, recorta e transmuta e transita entre palavras que vem e vão, tão raras e tão claras. Meu amor dá caras às vogais e conduz sem escolta um exército de consoantes para exercícios em escolas bipartidas. Meu amor aponta e aposta nos pontos sem nós e os trança entre nós já que os ata aos feitos e aos fatos. Meu amor é um artefato.
Meu amor prevê o futuro nas frestas do passado. Meu amor sussurra e balbucia, seduz e ressona e raciocina, sentada, silente, ciente, eterna e efêmera feito véu. Ela não liga para o sucesso – mas ele não para de ligar para ela. Ela não liga para o fracasso – mas ele não sabe como fazê-la bailar ao seu compasso. Meu amor ergue castelos de cartas e faz estátuas de palitos qual andaimes de bambu no centro de Hong Kong. Meu amor subiu ao topo do Empire State, na palma da mão do King Kong.
Meu amor traja lilás e flerta com guapuruvus e jacarandás quando, rumo ao trabalho, cruza pela praça. Ela se alimenta de livros, mas não é traça; sorve o vinho e ergue a taça. Ela traceja, trafega e graceja diante das desgraças. Ela não pisca nem boceja, só cintila. Ela não julga, não espera ou se exaspera; não reclama nem condena, mas se arrisca e segue à risca a trilha das pontes levadiças que se erguem quando passa. Meu amor tem dedos longos, braços esguios, cabelos finos e pescoço de cisne. Meu amor maneja a pena com as asas da imaginação. Meu amor é uma catedral de desejos, plácida ao luar na ardência do deserto. Meu amor se encaixa e se enrosca, mas não se enrola nem se engasga. Ela se traja de pétalas e se alça acima das nuvens de fuligem. Meu amor é centaura: galopa galante quando dispara certeira suas setas. Meu amor, meia nove, é hoje sete vezes sete e festeja singela seus 49.
Meu amor tem um anel de ouro trançado que reluz quando ela sorri. Fui eu quem dei. E fui eu que a apreendi.