E então, de repente, os livros, essa espécie ameaçada de extinção – ainda mais depois do estranho pedido de "recuperação judicial" de uma grande cadeia de livrarias e do fechamento de mais de 20 lojas de outra (ambas, aliás, beneficiadas por recentes empréstimos de R$ 80 milhões pelo velho e bom BNDES) –, pois eis que quando, onde, como e por obra de quem menos se esperava, os livros fizeram sua fabulosa rentrée. Foi domingo passado que eles ressurgiram, expostos na tábula rasa do Eleito (que, assim, revelou ao mundo ser leitor, embora alguns achem que, quando ele lê, mexe os lábios e, para fugir das legendas, só vê filme dublado).
Eram quatro os exemplares dispostos na mesa meio brega de fórmica branca, embora o primeiro deles, apesar de já ter sido chamado de "livrinho" por um ex-presidente militar (no caso, um marechal), não seja "livro" no sentido lato da palavra: tratava-se de um exemplar da Constituição do Brasil, a terceira mais extensa do mundo, com 64 mil palavras, 250 artigos e 106 emendas. O segundo, era uma versão abreviada e diluída da Bíblia, intitulada A Mensagem, feita para gente de poucas letras e poucas luzes, que admira e visita pastores pastosos, como Malafaia e Macedo, e é incapaz de alcançar a grandiosidade literária, sem falar nas complexidades teológicas, da Bíblia (na versão do Rei James), e que nem nesta nem na próxima encarnação haverá de alinhar esse soberbo texto sagrado com o Bhagavad Gita, o Corão e a Torá.
De todo modo, a presença literária de fato estonteante naquela mesa sem toalha, mostrada durante uma transmissão entrecortada e de baixa qualidade técnica, era, oh céus, Winston Churchill. Churchill foi um gigante, um mestre da retórica, um purista do idioma, um cultor da fina ironia, um gênio da estratégia militar, um animal político. Pelos poderes de Greyskull, como ele foi parar ali? Então, ao lado das memórias de Churchill, havia um quarto volume, de autoria de um intelectual brasileiro gagá e arrogante, cujo título soa como ordem: O Mínimo que Você Precisa Saber para não Ser um Idiota. Mas, de boa, esse parecia estar com as páginas virgens, intocadas.
Em meio a seu pronunciamento cifrado, o sujeito responsável pela seleção dos títulos explicou os critérios que regeram aquela amostra grátis de biblioteca: "O que eu mais quero", disse ele, "é seguir os ensinamentos de Deus ao lado da Constituição brasileira, inspirando-me em grandes líderes, e com boa assessoria, técnica e profissional ao meu lado".
Bom, assim sendo, senti a falta ali de um livro de colorir e de uma cartilha. Mas não vou me arriscar a sugerir substituições, pois vá que as relembranças de Churchill saiam de cena para que as opacas e sinistras memórias do já bem falecido coronel Ustra venham ocupar seu lugar. Embora queira crer que isso seria de todo impossível, pois o dito livro já não se encontra em estante alguma: jaz na lata de lixo da História.