Nos primeiros dias de janeiro de 1980, para celebrar a década que raiava, resolvi escalar, junto com minha namorada, a imponente e mística Pedra da Gávea, no Rio de Janeiro, onde eu morava. Chegamos ao topo dos 844 metros de um dos maiores monólitos graníticos do planeta bem a tempo de vislumbrar as cores impetuosas de um pôr do sol que se derramava por sobre toda a soberba paisagem que se descortina lá de cima. Cores dramáticas, mas, ainda assim, menos hipnóticas que os tons aquarelados da aurora que vimos resplandecer tão logo o sol despontou do mar, iluminando a pequena gruta onde passamos a noite, como na primeira manhã do mundo.
De todas as maravilhas avistadas lá de cima, nenhuma atraiu mais minha atenção do que a vasta restinga arenosa, rendilhada de lagoas e mangues pergolados, prolongando-se selvática, perfumosa e quase virgem até onde a vista alcançava em direção ao Oeste: era a Barra da Tijuca. O antigo "sertão carioca", o limite da urbanidade da mais famosa cidade do Brasil, a última fronteira do Rio, o lugar onde jaguatiricas rondavam brejos ainda abundantes de pacas e capivaras, o areal onde Norma Bengell protagonizara em 1962 o primeiro nu frontal do cinema brasileiro, em Os Cafajestes, de Ruy Guerra; a praia onde em 1968 Mick Jagger e Keith Richards roubaram e jogaram ao mar a chave do carro dos paparazzi que ousaram importunar seu devaneio hippie contemplativo na solidão arenosa recendendo a maresia.
Poucas semanas depois daquela escalada, abri o jornal (jornais eram uns troços de papel cheios de notícias, boa parte delas fidedignas, que as pessoas liam para ficar informadas) e deparei com uma manchete estrondosa, impactante feito meteorito: "Barra da Tijuca terá 1 milhão de habitantes no ano 2000". Embora eu nunca tenha confiado de todo nos jornais e o ano 2000 fosse quase ficção científica para mim, decidi ir de carro até a estrada do Joá – o carro era o Galaxie da dita namorada –, contemplar de novo aquele colar de alvas dunas represando as lagoas da Tijuca (ou "do pântano", em tupi), de Marapendi ("rio raso") e de Jacarepaguá (a "enseada dos jacarés") e dali tentar adivinhar o futuro.
Tive uma visão horrenda: imaginei que dali a 20 anos toda aquela frágil restinga estaria ocupada por condomínios fechados com seguranças de paletó suarentos sob o sol que arde, as lagoas podres com algas tóxicas e cardumes mortos, autopistas vorazes vomitando tráfego demencial, torres de 30 andares encravadas qual palitos de concreto em nervosas colmeias humanas, shopping centers envidraçados, imensos templos evangélicos, academias de ginástica com música estridente, gente de verde e amarelo vociferando e celebrando ao mesmo tempo, num pesadelo refrigerado. Miami, só que não. O fracasso do modelo desenvolvimentista brasileiro, a vitória do urbanismo imbecilizante.
Então, pisquei e tudo que era insólito materializou-se no ar.