No necessário debate acerca da igualdade de gênero, o que menos se viu no incêndio nacional provocado pela acusação de estupro contra Neymar foi serenidade para respirar fundo e analisar os fatos em si, antes de sentenças definitivas. Compreende-se porque ninguém mais falou em reforma da Previdência, Gre-Nal na Copa do Brasil ou a própria Copa América, da qual Neymar seria astro não fosse cortado por lesão.
É uma combinação explosiva: futebol, um astro mundial da bola, sexo, um suposto crime. Antes de indícios mínimos ou elementos de prova possíveis aparecerem, as redes sociais já perfilavam duas torcidas. Os homens saíram em defesa de Neymar, enquanto as mulheres deram razão a Najila Trindade.
Não demorou para virar o milésimo duelo entre direita e esquerda desde a campanha que elegeu Jair Bolsonaro. Houve até um deputado irresponsável do PSL sugerindo a criação da lei Neymar da Penha, brincando com assunto sério e desdenhando dos avanços gerados pela Lei Maria da Penha no necessário combate à violência contra a mulher.
Na outra ponta, Maíra Fernandes, feminista respeitada e conceituada, foi expulsa da seção brasileira do Cladem (Comitê da América Latina e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher). Ela aceitou ser advogada de Neymar por ter estudado o caso a fundo e firmado convicção sobre a inocência do jogador de 27 anos.
Mayra argumentou que uma falsa acusação de estupro é um desserviço à luta das mulheres. Escrevi sobre isso quando o escândalo estourou, acrescentando que tão detestável como uma tentativa de estupro seria mentir sobre a autoria justamente por essa razão, mas não vem ao caso. O certo é que virou briga de torcida, esquerda versus direita, com os exércitos congelando imagens de vídeos vazados conforme a conveniência.
Uma guerra dos sexos, como se fosse traição um homem dar razão a Najila ou uma mulher considerar Neymar vítima de armação.
Nesse momento, ainda com muito a apurar, parece que Neymar tem razão. O que não significa chamá-lo de santo ou transformá-lo em mártir. Não gosto da cultura da ostentação que permeia sua vida. As notícias são de que a acusadora feriu o ex-marido com faca. Seu advogado a abandonou alegando que ela mentiu, mudando a versão quando foi à polícia. Só a investigação profunda fará a verdade emergir. Outros elementos podem mudar os rumos até o momento.
Até lá, a amplificação produzida pelo futebol poderia nos fazer refletir. Estupro é assunto sério. Uma feminista dar razão a um homem não a torna menos empoderada. Um homem que luta contra o machismo e reconhece a relevância do feminismo não é um bunda-mole. Se ficarmos sempre nessa chatice de direita e esquerda, andando em círculos, o fundo do poço é um dever.