Assim que a Seleção fizer o último amistoso antes do embarque para a Rússia, contra a Áustria, neste domingo (10), você vai perceber um assunto dominante. Trata-se da tensão pré-estreia. Haverá outros temas, claro. Os jogadores serão inquiridos sobre o time do primeiro jogo, diante da Suíça, no dia 14. Quem começa? O risco de corte sempre paira feito bruma fantasmagórica nestes dias que antecedem a abertura. Mas nada que se compare à ansiedade da primeira vez. No caso brasileiro, faz todo sentido.
Não apenas pela cultura latina. É bem possível que alemães e nórdicos lidem com esta questão emocional com mais frieza e racionalidade. Não é o nosso caso, obviamente. Além das questões culturais, a história da Seleção mostra que a estreia escala, desescala e ainda pode sentenciar, até com certa crueldade, o tamanho de uma carreira.
Em 1958, Zito, Pelé e Garrincha só saíram do banco após três jogos. O time da estreia não tinha nenhum deles. Em seus lugares estavam três ótimos jogadores. O zagueiro Orlando, do Vasco, que depois brilhou no Boca Juniors. O meia Dida sempre foi um dos ídolos de Zico, na infância. E o ponteiro Julinho chegou a jogar no Valencia, da Espanha. Mas nenhum deles começou bem. Liderados por Didi, os próprios jogadores foram até o boa praça Feola e rogaram pelo trio. O resto da história, o mundo conhece. Nascia um gênio menino. E um anjo de pernas tortas nos fez sorrir para sempre. Em 1994, Raí era a grande estrela do PSG. O cérebro da Seleção. Fez até gol na estreia, contra a Rússia. Mas não emplacou. Perdeu lugar para o pragmatismo de Mazinho, e dali Parreira sedimentou o meio-campo para o Tetra. Mas nada se compara a 1998.
Era a abertura da Copa da França, no Stade de France. Ainda valia a regra segundo a qual o campeão, e não a
seleção do país-sede, tinha a honra de dar a largada do grande show da terra. Naquele Brasil 2x1 Escócia, ouvi Dunga cantar o passe seguinte a seus companheiros durante os primeiros 10, talvez 15 minutos iniciais. Você pode não gostar do estilo ou até do treinador Dunga, mas eis aí um capitão sem medo. Enquanto muitos rostos denunciavam nervosismo, Dunga era um iceberg. Por isso ele ordenava para quem a bola tinha de ir. O pânico turva as melhores decisões. Ele assumia as de quase todos, tirando o peso da responsabilidade dos mais tensos. Da posição de imprensa onde eu estava, ouvia claramente os gritos de Dunga.
Claro que não foi assim o jogo todo. Aos poucos, a maioria relaxou. Mas um, especialmente, naufragou de tal maneira que nunca mais se reergueu. Giovanni, do Santos, era o 10 clássico: passe certo, altura, elegância, categoria. Foi tão mal naquela estreia que nunca mais voltou ao time de Zagallo. Leonardo, o lateral poliglota, tomou o seu lugar no meio. Nos bastidores da Seleção em Lesigny, onde o Brasil treinava, a voz corrente era de que Giovanni não soube lidar com o estresse emocional da estreia. Em um torneio curto, no qual o campeão entra em campo sete vezes, o técnico não pode esperar. Tem de trocar.
Só como exemplo, Pottker não faz gols há 12 jogos no Inter.
É mais do que uma Copa inteira, mas o Brasileirão tem 38 rodadas. Em 2018, Felipão insistiu com Fred, que estava bem na Copa das Confederações de 2013, mas péssimo desde o começo em 2014. Bernard tinha alegria nas pernas um ano antes, mas era depressão pura no ano seguinte.
No caso da Seleção Brasileira de Tite, a estreia contra a Suíça tem um dado adicional que só aumenta esta parte emocional do primeiro jogo. Além da primeira vez em Copa da maioria, tem a última de grande parte da geração do 7 a 1 para se redimir. Thiago Silva terá de apagar a imagem do chorão. O craque Marcelo, de deixar uma avenida atrás dele. E assim por diante.
O destino da Seleção na Rússia pode passar pelo dia 17, contra a Suíça, o mais forte adversário do grupo. O time que começa a Copa raramente é o que termina. É o que a história ensina. Como será este enredo? Pensarei nisso no avião, no fim de semana, durante a viagem até Sochi, casa da Seleção na primeira fase.