Há um livro extraordinário que havia lido muito tempo atrás, provavelmente antes de entrar na Famecos, e que, por conta de todas essas mudanças de endereço da vida, perdi. É “A Guerra das Gálias”, de Júlio César.
Esse autor, Júlio César, é mesmo quem você está pensando: o general romano que acabou mudando o destino de Roma e do mundo. César escrevia muito bem. Seu relato, às vezes, chega a deixar o leitor tenso, como se ele estivesse lendo um romance de suspense.
Noutras vezes, César faz descrições coloridas, vivas e até entusiasmadas de povos ou lugares de sua época. Vou dar o exemplo do relato que fez a respeito de um bravo povo germano que teve de enfrentar:
“O povo suevo é de longe o maior e o mais belicoso de toda a Germânia. Nenhum deles possui terras próprias, nem pode, para as cultivar, permanecer mais de um ano no mesmo local. Consomem pouco trigo e vivem em grande parte do leite e da carne dos rebanhos. São também grandes caçadores. Este gênero de vida, a sua alimentação, o exercício diário, a sua independência, que, desde a infância, não conhece nunca o jugo de nenhum dever, de nenhuma disciplina, este hábito de nada fazer contra sua vontade, tudo isso os fortalece e os torna homens de uma estrutura prodigiosa. Além disso, têm por hábito, num clima muito frio, ter apenas como roupas algumas peles (cuja exiguidade deixa destapada grande parte do seu corpo) e de tomar banho nos rios.”
Note que os suevos viviam numa espécie de comunismo primitivo. Fiquei tão encantado com a descrição de César que pesquisei um pouco mais sobre esse povo e descobri que eles acabaram participando da fundação de Portugal, veja só.
Essa obra, “A Guerra das Gálias”, eu a perdi, como contei antes, e não conseguia reposição. Não existia edição em português do Brasil. Mas existe em português de Portugal, e foi essa que comprei não faz muito, graças à mágica da internet. É uma delícia.
Se nada do que digo o convence, impávido leitor, revelo que “A Guerra das Gálias” é o livro no qual se baseiam as aventuras de Asterix. É óbvio que você já leu Asterix. Se não leu, sinto inveja de você, porque vai poder ler todos os exemplares. Asterix é uma obra-prima das histórias em quadrinhos.
O curioso é que a pátria das histórias em quadrinhos, os Estados Unidos, desconhecem esse clássico. Fui a várias lojas de HQs, lojas imensas, bem fornidas e bem sortidas. Só que em nenhuma encontrei Asterix. O que faz com que sinta inveja não só de você, leitor, mas também dos americanos.
Voltando à Guerra das Gálias: fico maravilhado com o poder que Júlio César tem de nos colocar do lado dele em cada campanha.
Ele permaneceu nove anos lutando nas Gálias, completamente fora da península italiana, mas, ainda assim, consegue convencer o leitor da necessidade de cada um de seus atos. É Júlio César que é o agressor, mas ele conta a história tão bem que quase nos convence do contrário. Foi de fato um grande homem. Um ditador, um tirano, mas um grande homem.
Infelizmente, não se pode dizer o mesmo do ditador que, no século 21, promove uma guerra de conquista nos moldes daquela de César – nos moldes, no caso, não porque alguma estratégia ou tática os iguale. Não. É porque esse tipo de conflito deveria ser coisa da Antiguidade.
Putin é um homem tosco, um bisonho. Se fosse escrever suas razões, colocaria o leitor contra ele. Putin queria ser Júlio César. Não foi o único, nestes últimos dois mil anos. Muitos outros tentaram. Nenhum conseguiu. Putin não tem nenhuma chance de conseguir.