Durante muito tempo, a Ciência acreditou que os nenês não sentiam dor. É curioso escrever isso: “a Ciência acreditou”. Como se a Ciência fosse uma pessoa, um indivíduo com opiniões, crenças e CPF próprios.
As pessoas se referem à Mídia da mesma forma. “A Mídia quer que a gente acredite nisso.” “A Mídia está contra aquilo”. Ora, o que é a “Mídia”? Eu, por acaso, faço parte da Mídia, e tenho opiniões que divergem de muitos dos meus colegas.
A Ciência também não é homogênea. Pode-se até dizer que existe um posicionamento, digamos, geral sobre determinadas questões, mas os cientistas discordam uns dos outros.
Foi o caso disso, de os nenês não sentirem dor. Havia médicos que diziam que o sistema nervoso deles ainda não estava desenvolvido, o que os tornava imunes à dor. Esse ponto de vista vigorou até, incrivelmente, 1987. Ou seja: até anteontem.
Nenês pequenos eram operados sem analgesia, coitadinhos, e muitos morriam nos procedimentos. Agora, diversas experiências provaram que os bebês sentem tanta dor quanto os adultos. A sensibilidade deles é até mais veloz, diga-se de passagem.
Nós não dávamos bola para o sofrimento dos nenês.
Sabe por quê?
Porque eles não conseguiam falar.
Assim acontece com os animais. Como eles não protestam, nós não temos escrúpulos em usar deles como bem entendemos.
Com o porco, por exemplo, já é um pouco diferente. Você já viu alguém matando um porco? Ou, antes, você já OUVIU um porco nas vascas da morte?
Bem, a minha avó, no quintal dela, às vezes criava porcos. Na verdade, um porco por vez. Uma porca, inclusive, ficou íntima dela. A Chica. Minha avó a chamava, com sua voz fininha:
— Chiiiiiiiica!
E a Chica vinha correndo simpaticamente lá do fundo do terreno, abanando o rabinho em espiral. Acho que a porca a amava. Mas a minha avó era muito prática. Um dia, a Chica virou toucinho, linguiça e costelinha defumada.
Outros vizinhos, lá na Rua Dona Margarida, também tinham porcos e, certa feita, testemunhei, de uma distância segura, o sacrifício de um deles (do porco, não do vizinho). O homem enfiou a faca na garganta do porco, que começou a gritar. Gritou tanto e tão desesperadamente que comoveu o bairro inteiro e me impressionou pelo resto da vida. Se sou um cara menos desassombrado nunca mais como o lombinho com queijo do Barranco.
Conto tudo isso porque, outro dia, vi um caminhão carregando galinhas. Fazia tempo que não via isso, mas, cada vez que vejo, me compadeço. As pobrezinhas ficam comprimidas em caixas, umas sobre as outras, como se não fossem seres vivos, como se não fossem nada. Como se não sentissem nada. Você vai dizer que, com a idade, estou perdendo a têmpera, mas aquilo me entristece desde os albores da juventude. E sempre penso que essa crueldade só ocorre porque as galinhas não protestam. Elas não têm capacidade de dizer não. Elas são o melhor tipo de vítima: são mudas. Leve isso como ensinamento: se está ruim, reclame. Se você ficar mudo, ninguém vai resolver o seu problema.