Existe um canto do Hyde Park, em Londres, que é chamado de Speaker´s Corner. É um local onde você tem liberdade para falar o que bem entender, pode expressar qualquer ideia, pode falar contra qualquer um, com duas condições:
Não pode falar mal da rainha.
Você tem de estar sobre uma cadeira ou uma caixa, porque seus pés não podem tocar o solo inglês.
Hoje há outros Speaker’s Corners em Londres e em outras partes do mundo, mas o mais famoso é o do Hyde Park. Lênin e Marx já discursaram lá, imagine.
Os britânicos têm, de fato, uma tradição de defesa das liberdades individuais. No entanto, já aconteceu de a polícia reprimir oradores que tocaram em temas demasiadamente sensíveis no Speaker’s Corner. Afinal, é difícil defender a liberdade de expressão, quando as pessoas estão se expressando contra você ou contra o que você pensa.
Sabe aquela frase que dizem que Voltaire disse: “Discordo do que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo”? Pois é. Há quem afirme que Voltaire não disse exatamente isso. Que disseram que ele disse. Pode ser. Mas, de qualquer forma, era a opinião dele, e essa bela construção verbal tem sido usada impudicamente nos últimos 250 anos. Só que... falar é fácil. Na prática, nem sempre funciona assim. Em geral, as pessoas não apenas não gostam de ser criticadas, como lançam represálias contra os críticos.
Abordo isso a propósito do que ocorreu com aquele youtuber, o Monark, que causou grande polêmica ao defender o direito do alguém fundar um Partido Nazista no Brasil. É óbvio que a ideia é lunática: existir um Partido Nazista no país mais miscigenado do mundo é uma contradição em si mesma. Porque o Partido Nazista prega o racismo e a supremacia de uma suposta “raça ariana”, algo que, na prática, não passa de ficção. Além disso, tem todo o peso do contexto histórico, os crimes contra a Humanidade praticados pelo nazismo e tudo o mais de que nós sabemos sobejamente.
Porém, nos Estados Unidos existe partido nazista. A ideia continua sendo lunática, mas por que lá pode e aqui não? É estranho, pois quase 300 mil solados americanos foram mortos em combate contra o nazismo, enquanto o número de pracinhas brasileiros não chegou a 500.
Qual é, então, a diferença?
A resposta está no mais caro tema da psicanálise: na infância. Nas formações do Brasil e dos Estados Unidos. Os Estados Unidos foram fundados sobre os valores da liberdade individual. Nada é mais importante para eles. No Brasil, a liberdade individual não raro é confundida com o privilégio. É a liberdade de amassar quem menos pode.
Isso justifica que, no Brasil, seja proibida a divulgação de ideias que afrontem a dignidade humana, como o nazismo, o racismo e a homofobia. Talvez ainda não tenhamos maturidade para gozar de todas as prerrogativas de um povo adulto. Mas atenção: isso pode mudar. Aqui ou lá.