O título do livro é “O Tango da Velha Guarda”, do espanhol Arturo Pérez-Reverte. Fiquei encantado por essa obra já na imagem de capa da edição que adquiri, da Editora Record. É uma foto de Grace Kelly, que foi princesa na vida. Princesa de fato e de direito.
Ninguém cometeria injustiça se classificasse Grace Kelly como a mulher mais linda do mundo, uma espécie de Helena de Troia do século 20. Só que, claro, não existe “A” mulher mais linda do mundo, há mulheres belíssimas desabrochando em todos os lugares e em todos os tempos, inclusive perfumadas flores do subúrbio que jamais serão conhecidas e reverenciadas pelo povo ignaro. O que existe, isso sim, é um pelotão de elite formado por semideusas que encantam gerações. E só posso incluir entre elas as que gozam de um pouco de fama. Mulheres públicas, digamos assim.
Aí está Grace Kelly. Que não foi sensual como Marilyn Monroe, Claudia Cardinale ou Brigitte Bardot, que não era imperial como Catherine Deneuve e nem tinha a ousadia das beldades modernas, como Megan Fox, que é linda, mas é também um pouco, só um pouquinho, vulgar, porque vulgares são os nossos tempos. Não, Grace Kelly não possuía nenhuma dessas características, mas era a própria sofisticação. Uma mulher de classe, distante dos meros mortais, como eu e você.
A foto da capa de “O Tango...” mostra exatamente isso. É uma foto em preto e branco. Grace Kelly está sentada na cama, ao lado de uma antiga máquina fotográfica, examinando um colar de pérolas que tira de dentro de um pequeno baú de couro. Ela veste um casaco que parece ser de lã, com a manga dobrada uma única vez. Está de óculos escuros, com as laterais dos cabelos presas atrás da cabeça. A impressão é de que foi um flagrante tirado ao acaso, de que Grace não posou para a foto. Ela está concentrada no colar, absorta, absolutamente calma. Seus dedos longos seguram o colar com a serenidade de quem sabe o que faz no mundo.
Grace Kelly representa, nessa fugaz imagem, um requinte que não existe mais. Ela é a velha e refinada aristocracia europeia e americana, que criou as mais belas joias da cultura da Humanidade e que se tornou inviável depois da II Guerra Mundial. Hoje, há gente demais num planeta que não aumenta de tamanho, e por isso há pressa demais, há irreverência demais e há tempo de menos para que alguém possa cultivar lhanezas. Hoje, ninguém perde sua vida por delicadeza, como perdeu Rimbaud.
Esse mundo perdido de hotéis de luxo, de cruzeiros transatlânticos, de jantares de gala, esse é o mundo dos personagens de O Tango da Velha Guarda. E é tão bem descrito que me deu nostalgia de algo que não vivi, como diria o Neymar. Queria eu ser um desses cavalheiros. Queria pertencer “à classe de homens que podiam ser encontrados de manhã, em uma chocolateria e de fraque, convidando para tomar o café os serviçais da casa onde participara na noite anterior de um baile ou um jantar”. Ah, seria lindo fazer parte da fidalguia naquela época. Mas estou aqui, debaixo de um calor de 37 graus, escrevendo de chinelo de dedo, camiseta e bermuda com estampa floreada. Tão mortal, tão arrabaldino... Grace Kelly nunca faria de mim o príncipe de Mônaco.