Houve um dia que envelheci. Olhei-me no espelho pela manhã e disse para mim mesmo: nunca mais serei como fui ontem. E era verdade. Havia um novo David na imagem diante de mim, e esse novo era velho. Desde então, sinto-me um homem antigo. Não um homem do passado, ainda vivo no presente, mas estou consciente de que os anos de festa interminável da juventude terminaram.
Mas isso não significa desistência, não. Ainda sou capaz de fazer coisas novas e boas. Significa apenas que desconfio dos meus limites. O corpo que me contém já não tolera certos atletismos.
Quando escrevo que o corpo “me contém”, expresso uma conclusão que vem do envelhecimento. Nosso corpo é uma prisão. Você está dentro dele e sente inescapavelmente tudo o que acontece com ele. Ele pode dar grande prazer ou infligir grande sofrimento. E, em geral, não há mérito nem culpa numa ou noutra sensação. Você não pode fazer nada, porque há muito do acaso. Do imponderável.
Então, meu jovem amigo leitor, quero dizer que a imagem que tenho de mim mesmo é diferente da que vejo no espelho, nas fotos ou mesmo quando procedo um rápido autoexame, olhando peito abaixo ou para as mãos que agora digitam no teclado do computador. Essas transformações do meu corpo não foram combinadas comigo. Ele está fazendo tudo por sua conta e risco, e o justo seria eu não compartilhar das consequências, como compartilho. Mas, como já disse, estou preso aqui. Tenho de aceitar.
Faço essas considerações porque, na semana passada, me disseram que foi comemorado o Dia do Idoso. Tecnicamente, não sou um idoso. Não tenho direito a vaga especial de estacionamento, nem ando de graça nos ônibus, mas sei que a condição de idoso não é algo que uma pessoa gostaria de festejar. Ninguém vai ficar feliz ao ser cumprimentado:
— Parabéns pelo Dia do Idoso.
Que idoso, o quê? Não quero ser idoso. Quero jogar bola durante toda a tarde e passar a madrugada no Doctor Jeckyll com os amigos. Não dá mais? O Doctor Jeckyll até já fechou? Tudo bem, me conformo, não reclamo, mas também não vou comemorar.
Qual é a ideia, agora? É tentar passar por esse processo com dignidade. Sem nostalgias, sem dizer que “no meu tempo era melhor”, sem pintar o cabelo.
Lembro do Wianey Carlet, que pintava o cabelo. O caso dele era diferente do meu. O Wianey pintava o cabelo com autenticidade. Eu não seria eu mesmo, se pintasse. O Wianey, ao contrário, era muito mais Wianey, se estivesse atrás de uma vistosa franja acaju.
O Wianey tinha uma ânsia de juventude que o tornava divertido. Ele jamais admitiu que tinha envelhecido e, quer saber?, não envelheceu mesmo. Continuou o moleque que sempre foi, só que, como todos nós, estava detido em um corpo que definhava. O que ele fez a respeito? Não deu bola, foi em frente. Morreu jovem, apesar de ter bastante idade. Sei bem o que ele faria se alguém o cumprimentasse pelo dia do idoso. Soltaria uma baforada do cigarro que estava fumando e depois diria bem alto, chamando a atenção de toda a redação:
— Idoso é a mãe!