Ontem acordei me sentindo rico. Foi uma sensação agradável. Em primeiro lugar, porque ricos dormem bem. O sono deles é restaurador e macio, eles ronronam feito gatinhos debaixo de edredons brancos e acordam quando tênues raios de sol se esgueiram pela janela. Ricos, já percebi, não gostam de dormir com o quarto totalmente escuro, como gosto. Eles querem sentir a manhã despertar, querem ouvir o canto dos pássaros e tudo mais.
Talvez seja por isso, por desfrutarem de noites de sono perfeitas, que a pele dos ricos é tão boa. Ontem, minha pele estava impecável, graças a minha súbita riqueza.
Tenho a impressão de que sei qual é a origem dessa minha afortunada sensação. Foi um vídeo da Camila Coelho que vi no Instagram. A Camila Coelho morava em Boston na época em que morei lá. Ela é modelo internacional. É morena, pequena e magrinha. Tem uns lábios carnudos e uns grandes olhos negros muito expressivos. E é rica. Sabe como ela enricou? Tornando-se uma das primeiras youtubers de moda do Brasil. A partir daí, o mundo fashion se abriu para ela e os dólares jorraram para dentro de suas bolsas Louis Vuitton.
Neste vídeo que assisti, Camila fala do final de semana que passou em Como, no norte da Itália. Ela começou mostrando a mesa do seu desjejum. Omeletes. Frutas da estação. Aquela coisa. Depois, cenas de um passeio de lancha pelo lago. Na ponta do lago, há uma doce cascata que se derrama entre morros e mansões. Por fim, lá está ela de roupão branco, contando como passou dias trabalhosos em Nova York e Milão e, por isso, decidiu relaxar em Como. Porque é preciso descansar, ensinou. Senão a gente se estressa e não faz as coisas direito. Camila se preparava para uma semana de desfiles em Paris, cidade que a-do-ra, e por isso tinha de estar bem recomposta.
Concordei com Camila e, como estava me sentindo tão rico quanto ela, estendi-me numa espreguiçadeira a fim de tomar um pouco de sol depois do café da manhã. Aprendi que o dia do rico tem de ser assim, ponteado de pausas para relaxamento. Gostei disso. É uma ótima ideia.
Mas tinha de trabalhar, paciência, fui para meu “home office” suspirando e pensando que há ricos que trabalham. Então, aconteceu: vi uma mosca. Ela estava parada no vidro da janela, tentando inutilmente passar para o outro lado. Aquela cena me fez mal. Não há moscas na vida dos ricos. Tudo é limpo, tudo é imaculado, insetos não são bem-vindos em lugares habitados por ricos.
Aquela mosca me fez desabar no solo duro da realidade. Foi como se alguém me sacudisse e gritasse:
– Você não é rico! Você gosta de massa com sardinha!
Voltei, assim, a ser quem sou: um homem sem dólares, sem roupão branco, sem finais de semana à beira do Lago Como.
Aquilo me chateou e até senti minha pele piorar. Mas daí a Marcinha veio da cozinha, e trazia nas mãos uma xícara de café e uma fatia de bolo de canela. Sorri. Provei o café e o bolo. Estavam ótimos. Virei-me para ela, agradeci e murmurei:
– Sou mesmo um homem rico.