Quanto tempo mais teremos de viver assim? A vacina, se tudo der certo, estará pronta em seis meses. Até nos alcançar, talvez mais uns três. É o período de uma gestação humana. Duvido que tenhamos têmpera e recursos para suportar tanto.
Já há muita gente desempregada. Muitas empresas já fecharam, sem perspectiva de reabrir. Mas, além disso, além do massacre material produzido pela peste, há o massacre espiritual. No caso específico do Sul brasileiro o que abateu os ânimos foi algo terrível para quem está em combate: a reversão de expectativas.
Eis uma lição que você deve aprender se quiser ser bom pai, bom chefe, bom líder de qualquer empreendimento: não há nada que desmotive e desagregue mais um grupo do que o pacto rompido, mesmo que o pacto seja implícito.
O pacto rompido é a promessa quebrada, e promessas são quebradas, em geral, porque o líder não tem rumo. Como ir atrás de um líder que não sabe o caminho a seguir?
Não estou dizendo que as atuais lideranças são ineptas. Não. Estou dizendo que foi criada uma ilusão, entre a população gaúcha, e que essa ilusão se desfez nos últimos dias. Isso desmancha qualquer resistência.
Porque nos disseram, e repetiram mil vezes, que fecharíamos cedo para reabrir mais cedo, que tínhamos de nos recolher para diminuir a curva do contágio e aumentar a do sistema de saúde. Era preciso ganhar tempo, foi o que nos disseram.
E agora a impressão é de que nada do que foi feito adiantou. As declarações das lideranças são catastrofistas e o mantra do “fique em casa” parece uma maldição.
Por pior que seja a situação, o líder tem de compreender que o pessimismo continuado causa duro impacto psicológico nos liderados. Esse é o efeito do abre-e-fecha, do recrudescimento de restrições e da eterna ameaça do lockdown: o desânimo e a descrença.
É claro que o líder não toma medidas antipáticas por gosto. A situação o obriga. O que talvez esteja faltando é um pouco de flexibilidade. Porque as pessoas estão há muito tempo fazendo sacrifícios. Elas precisam de perspectivas para continuar fazendo.
Perspectiva, essa é a palavra – é o que faz a vida valer a pena.
Agora, ainda que os perigos pareçam maiores, é necessário assumir riscos calculados.
Tenho de minudenciar um pouco esse argumento, para não ser mal compreendido. Vou repetir o que disse na abertura do texto: essa dificuldade não se extingue antes de oito ou nove meses. Logo, há atividades que terão de ser retomadas, mesmo com a ameaça do vírus. Porque, se não o forem, deixarão de existir. É o raciocínio que precisa ser feito: qual é o tamanho do risco da volta ao funcionamento de cada setor?
Por exemplo: os cinemas, os teatros, os shows, as casas noturnas, os restaurantes com bufê. Nesses casos, o risco é altíssimo. Isso torna a possibilidade de retorno pouco plausível. Ou seja: o prejuízo é inevitável. Mas há casos em que o prejuízo é evitável ou, pelo menos, pode ser reduzido.
Aí desponta o futebol profissional.
A Dupla Gre-Nal adotou controles sanitários rígidos no seu sistema de trabalho, inclusive com um volume de testagens único na sociedade gaúcha. Por que não podem voltar a treinar coletivamente e, depois, a jogar? Seus profissionais são jovens atletas, saudabilíssimos, não há ninguém mais distante do que eles do grupo de risco. Se os clubes ficarem inativos até que se atinja a segurança total, simplesmente fecharão. Não haverá mais Grêmio ou Inter. Pode-se permitir isso? Grêmio e Inter são patrimônios materiais, culturais e espirituais do Rio Grande do Sul. Se voltarem a jogar, darão novo ânimo à população. Darão esperança. E, neste momento tão duro, nada é mais importante do que a esperança.