Um dos tesouros da História do Brasil é a gravação da reunião em que foi decidida a instauração do AI-5, em dezembro de 1968, no Palácio das Laranjeiras.
É uma preciosidade. Pode-se ouvir com clareza a manifestação de cada um dos ministros presentes. Como se sabe, o único que se opôs ao Ato foi o vice-presidente Pedro Aleixo. Alguém perguntou se ele não concordava com o AI-5 por não confiar “nas mãos honradas do presidente Costa e Silva”. Aleixo respondeu:
“No presidente eu confio, eu não confio é no guarda da esquina”.
Um visionário.
Os outros ministros, todos, chamaram o Ato pelo que era: a instituição da ditadura. Mas não a lamentaram. Ao contrário, aplaudiram-na. Delfim Netto, da Fazenda, chegou a dizer que as medidas não eram suficientemente duras. E o ministro do Trabalho, Jarbas Passarinho, pronunciou a grande frase do encontro, uma espécie de resumo do Brasil. Ele disse:
“Às favas, neste momento, todos os escrúpulos de consciência!”
Se a reunião ministerial fosse do atual governo, os escrúpulos não seriam mandados “às favas”; seriam mandados para um lugar mais sujo. Aliás, eis algo interessante a fazer: uma comparação formal entre essas duas reuniões ministeriais gravadas, a de 13 de dezembro de 1968 e a de 22 de abril de 2020. Em ambas os presidentes são militares, mas o nível da de 1968 é de general, e o da de 2020 é de capitão reformado.
“Às favas todos os escrúpulos de consciência!”, gorjeou o Passarinho. Uma sentença perfeita não só para o momento, como para o lugar. Essa máxima poderia ser a divisa da bandeira brasileira, em vez daquele tão pouco praticado lema positivista, “ordem e progresso”.
Porque é isso que nós fazemos a todo instante, nós brasileiros: nós estamos sempre mandando os escrúpulos de consciência às favas. Muitos criticam Bolsonaro por incentivar aglomerações durante a pandemia, outros já criticaram Lula por aliar-se afetuosamente a Maluf, deputados são criticados por trocar votos por cargos, prefeitos, governadores, juízes, todas as autoridades são criticadas, e com razão, porque, volta e meia, elas estão mandando os escrúpulos às favas.
Mas a população brasileira, o povo trabalhador, o pagador de impostos, esse que protesta contra a corrupção, o que ele faz, em meio à crise produzida pela peste? Ele não precisa, mas ele toma o auxílio emergencial que o Estado oferece para os necessitados. Não foram centenas de brasileiros que fizeram isso, não foram milhares; foram centenas de milhares. Pessoas perdendo empregos, empresas fechando, o país passando por dificuldades, e o que eles dizem?
“Às favas todos os escrúpulos de consciência!”
Veja como os preços caem a cada ano, no Brasil: hoje, você compra uma consciência com 600 reais.