Gilberto Gil completou 78 anos de idade, nessa sexta-feira, e o Chico Buarque lhe fez uma linda homenagem em forma de vídeo. Ele, Chico, reuniu um grande grupo de artistas e todos cantaram Anda com Fé, música que o Gil compôs nos anos 80. “Andar com fé eu vou, que a fé não costuma faiá”.
Participaram, entre tantos, o próprio Chico, as filhas do Gil, Caetano Veloso, Zeca Pagodinho e até o americano Stevie Wonder, que mandou um “Happy Birthday to you” em uma belíssima voz feita de metal e mel.
Contei sobre o vídeo no Timeline, da Gaúcha, e o nosso mago da técnica, o Augusto Silveira, botou para rodar Drão. Nem ouvi mais o que o Potter e a Kelly falavam, o som do Gil me mesmerizou, me fez flutuar.
Essa Drão é uma obra-prima da música brasileira. Não só por sua beleza, mas por seu significado. Gil a compôs para sua primeira mulher, Sandra, quando eles estavam se separando. Drão era o apelido dela, porque Maria Bethania a chamava de “Sandrão”.
Gil fez um poema delicado para falar de um momento duro. Gil besuntou com doçura a amargura da separação. Comparou o amor dos dois com uma semente, que tem de ser enterrada para nascer e tornar-se uma planta robusta e fecunda:
"Drão, o amor da gente é como um grão
Uma semente de ilusão
Tem que morrer pra germinar."
Só por esse poema já mereceria todas as homenagens, o Gilberto Gil, mas ele produziu muito mais. Além disso, trata-se de uma pessoa afável, amorosa, obviamente boa. Seu maior amigo, Caetano Veloso, é mais agressivo, às vezes o Caetano se irrita e morde. Eu, se pudesse, queria ser como o Gil, mas sei que sou mais como o Caetano.
Aliás, tenho visto os vídeos do Caetano no Instagram. São engraçados. Quem grava é a mulher dele, Paula Lavigne, que nunca aparece, só faz perguntas ou narra o que está acontecendo. Ela é ótima nisso, porque é meio irônica, não leva a coisa muito a sério, ela provoca o Caetano e, vez em quando, caçoa dele. Caetano em geral está sentado em um sofá amarelo, não raro de pijama e chinelos. A Paula atira-lhe umas gozações, como se fosse uma rede de pescar, e ele se deixa capturar, responde com uma inocência e uma solicitude admiráveis. Outro dia ela contou que, nesse tempo de confinamento, o Caetano se distrai comendo paçoquinha. Ele adora paçoquinha. Aí o Caetano está lá, comendo paçoca no seu sofá amarelo e ela vem com o celular, brincando:
“Olha o Seu Paçoca...”
O Caetano parece incomodado no começo, mas não se abala, continua comendo a sua paçoca e respondendo às perguntas da Paula.
São as coisas boas da pandemia, isso de as pessoas que a gente aprecia à distância exporem um pouco de suas intimidades. Passei a gostar mais do Caetano, depois de assistir aos vídeos da Paula. Ao vê-lo assim, terno e pacífico, no recôndito do lar, ele me pareceu ser menos o Caetano que eu supunha conhecer e mais o Gil que existe na minha imaginação. Gilberto Gil, esse homem amável, capaz de assumir de público seus erros, com fez em seu doce Drão:
“Os pecados são todos meus, Deus sabe a minha confissão”, ele admitiu na música, e acrescentou: “Não há o que perdoar, por isso mesmo é que há de haver mais compaixão”.
Mas o melhor é o fechamento da poesia, que dá o sentido ao que quer dizer o Gil: que os amores verdadeiros não morrem, eles se transformam:
“Quem poderá fazer
Aquele amor morrer
Se o amor é como um grão
Morre, nasce trigo
Vive, morre pão”.
Bonito. Bem que eu queria ser mais Gil.