É noite de festa, oportunidade para rever os amigos, dançar, dar risadas e, quem sabe, flertar. Ou se frustrar. Talvez só ficar de canto. Noite de vestir uma roupa diferente, arrumar o cabelo, maquiar-se ou fazer a barba. Noite de, enfim, sentar em frente ao computador. Isso mesmo. Por conta da pandemia de coronavírus, o conceito de festa virtual tornou-se alternativa para lembrar das baladas de outrora.
Com as aglomerações proibidas, a possibilidade de reunir pessoas a distância passou a ser via aplicativos de videoconferência – em especial, o Zoom. Festas com centenas de participantes na ferramenta começaram a pipocar pelo mundo e pelo Brasil durante a quarentena.
Nos eventos pelo Zoom, o público só ouve a música transmitida pelo DJ, que discoteca de sua casa. O áudio dos demais presentes é bloqueado. Há várias telas mostrando os participantes em suas respectivas casas, além de um chat para todos falarem. Também é possível conversar no reservado. No caso, todo mundo se vê e pode interagir (claro, há os mais tímidos que desligam a câmera). Para essas festas, é possível vender ingressos: pode-se adquiri-los pela plataforma Sympla, que gera um código de acesso para o evento no Zoom.
Uma das primeiras festas porto-alegrenses no formato, realizadas durante a pandemia, foi a Quarentenália. Comandado pelos DJs Joelma Terto, Lucas Pitta e Ricktocadisco (Ricardo Pont), além da produtora Graci Lianx, o evento estreou em maio e voltou a ser realizado em junho. Uma nova edição está prevista para 11 de julho.
O foco da Quarentenália é a música brasileira: do clássico ao contemporâneo, passando por ritmos como bossa nova, samba, rock, axé, funk e música eletrônica nacional. Nas duas edições, as cantoras Valéria Barcellos e Pâmela Amaro realizaram apresentações. Os ingressos variam entre R$ 5 e R$ 15, sendo gratuitos para pessoas negras, trans e indígenas. A Quarentenália contou com média de 130 pessoas em cada festa.
— É uma forma de manutenção da saúde mental. Serve para que a gente consiga continuar a produzir e a divulgar os nossos trabalhos, enquanto atravessamos esse isolamento. Também é um jeito de garantir um cachê, mesmo que simbólico, para produtores e artistas. Um jeito de estarmos juntos, mesmo que num ambiente virtual — destaca a DJ e produtora Joelma Terto.
Costumeiramente realizada no Bar Ocidente, a festa Rockwork Orange também ganhou sua versão online. Com duas edições virtuais até o momento, o evento trouxe para o Zoom elementos presentes na festa física, como a leitura de cartas do tarô cigano e flash tattoo (tatuagens sendo desenhadas ao vivo).
— Nós não estamos apenas tocando "musiquinhas", estamos trazendo para o espaço virtual o que fazíamos fisicamente — realça João Rosa, produtor e DJ da Rockwork.
A trilha sonora da festa costuma ir do pop ao rock clássico, permeando o indie rock. As duas edições da festa reuniram entre 130 e 150 pessoas. Segundo João, as vendas foram além das expectativas — a ideia era atingir, no mínimo, cem. De qualquer maneira, o produtor vê as festas virtuais como uma oportunidade aproximar as pessoas e evidenciar a marca no atual momento.
— Já que a gente não pode fazer as pessoas se divertirem no Ocidente, levamos a festa para dentro dos lares do nosso público, deixando assim elas um pouco mais próximas da Rockwork e dos respetivos amigos. Outro ponto importante é dar visibilidade para a marca, uma vez que não fique parada ou esquecida enquanto a vida noturna não volta. Sabemos que quando as coisas voltarem, o trabalho vai ser muito grande — explica.
Para João, o formato de festa virtual pode ser trabalhado após a pandemia. Talvez, ele pondera, sendo realizada de maneira gratuita:
— Não é algo que vai substituir as festas, mas veio para ficar.
Já a festa Meltdown realizou uma edição virtual gratuita em junho por meio de uma parceria com uma rede de lojas. Tendo com base a música pop, o evento é realizado há mais de seis anos em Porto Alegre, recebendo um público universitário, alternativo e LGBT+.
De acordo com Pedro Veloso, produtor e DJ da Meltdown, a festa chegou a reunir 297 pessoas conectadas no Zoom. Ele avalia que o evento surpreendeu positivamente:
— Além do entretenimento, essas festas quebram as rotinas das pessoas. Principalmente agora, que todo mundo está em casa. É ligar o computador não para ver filme ou trabalhar, mas para algo diferente. Foi uma noite em que as pessoas tiveram algo diferente para fazer e falar. O ânimo era outro no dia seguinte .
Bolo ao vivo e chat 138
Para algumas pessoas, a primeira reação à ideia de festa virtual pode ser de estranhamento. Na primeira hora da balada online, o público pode se sentir mais retraído — não muito diferente da festa física, convenhamos.
— Pessoal começa tímido, mas se solta ao longo da noite — descreve João.
Joelma ressalta que há quem desligue a câmera ou use a festa como trilha sonora da noite. Porém, ela garante: a maioria dança na sala.
— As pessoas acabam performando, dançando na sala, colocando luzes. Em vez de ser simplesmente uma coisa passiva da live, propomos um encontro festivo. É um momento de rever amigos ou conhecer pessoas novas. Isso incentiva o público a se arrumar, usar glitter — avalia a DJ e produtora.
João corrobora a diferenciação de live para festa no Zoom:
— Live não tem graça para festa. Zoom permite que as pessoas se olhem. Flertem. Chamem no chat. Isso que é o diferencial, a participação. Rola o famoso chat 138 (serviço de bate-papo telefônico).
Na edição virtual da Melt, Pedro conta que, quando um participante aparecia no spotlight (tela de vídeo em destaque em uma reunião do Zoom), a tendência era se soltar mais. Às vezes, puxavam alguém da família ou os animais de estimação para dançarem juntos. Houve um momento de balada romântica que o público acendeu a lanterna do celular, como se fosse um show. Um dos participantes tinha chroma key (fundo verde), o que possibilitava alternar o seu o cenário de fundo no Zoom.
— Cada um de sua casa tentou fazer sua própria baladinha — resume Pedro.
Outra possibilidade das festas virtuais é receber visitantes de fora do círculo local. Joelma conta que a Quarentenália teve participantes de diferentes partes do Brasil — como Recife, Rio de Janeiro, Brasília e Florianópolis:
— Sempre temos um público que não é daqui, além daquele que a gente conhece das festas físicas. Isso tem sido muito rico pra gente, poder extrapolar as fronteiras.
Débora Salvi, 25 anos, é um desses casos. Frequentadora da Rockwork, ela começou a participar de festas de localidades de fora do Estado e encontrou uma nova forma de entretenimento.
— Comecei a participar achando que seria muito chato, que não teria graça ficar sentada na frente da tela do computador. Mas acabei me divertindo muito, conhecendo vários amigos em festas no Zoom — diz a historiadora e criadora de conteúdo digital, conhecida também como Deborista.
Nas festas do Zoom, é possível observar coisas que não seriam muito usuais em uma festa física. O que inclui até receitas culinárias.
— Já vi gente dormindo e permanecendo com a câmera ligada. Teve também uma mina preparando um bolo, o processo todo — conta Débora.
Outra possibilidade das festas do Zoom é a experimentação com os looks:
— Minha roupa oficial de festa no Zoom é pijama, que é a roupa de ficar em casa. E chapéu. Eu sempre quis usar chapéu em festa, mas tenho vergonha na vida real. Na festa do Zoom, me dou esse direito, já que estou dentro do meu quarto — brinca.
Já a psicóloga Thays Bordini, 26 anos, aproveitou a edição virtual da Melt para voltar a se produzir. Frequentadora da festa há seis anos, também foi a oportunidade para se reconectar a uma atividade que realizava com seus amigos.
— Me maquiei, coisa que não fazia há muito, já que estava trancada em casa. Vesti uma roupa legal. Preparei vários drinks que eu adoro beber na Melt. Fiz uma call com os meus amigos no WhatsApp. Ficamos conversando e aproveitando a festa. De alguma forma, parecia que eu estava com eles e aproveitando a Melt. Foi demais ter essas interações com eles, que sempre vão comigo, poder viver isso de novo — descreve.
Thays confessa ter sentido uma desconfiança inicial com o conceito de balada online, afinal o normal é a aglomeração e o contato. Porém, ela sublinha que a leveza de sua festa preferida e a possibilidade de revisitar um hábito pré-pandemia foram essenciais.
— É muito complicado tudo o que estamos vivendo, tanto a pandemia quanto o momento político. Ambos nos deixam nervosos. É muito legal ter essa possibilidade de ver as pessoas felizes nas suas respectivas casas. É você perceber que há muita gente na mesma situação, mas estamos indo. Espero que tenham mais festas assim — conclui.
Débora reforça que as festas no Zoom não se equiparam a festas normais, mas são formas paliativas de continuar ainda se divertindo:
— Claro, a gente precisa de muitas coisas, como saúde e educação, mas o lazer também é importante nesses dias de isolamento. Ter a cabeça sã também é fundamental. Acho que essas festas são meios de tornar as coisas mais agradáveis em momentos difíceis.
Bate em casa
Neste sábado (27), a casa noturna Bate irá promover sua festa virtual no Zoom. Com foco na música brasileira, o objetivo do evento é arrecadar fundos para o estabelecimento, que está fechado desde 14 de março.
— Muita gente comentava que sentia saudades do Bate. Resolvemos fazer essa tentativa, para pagar o aluguel do imóvel, luz, água, entre outros custos que a gente ainda tem — conta a proprietária, Carólis Pizzato.
Além da festa, a Bate está com uma campanha de financiamento coletivo no ar para auxiliar a casa a pagar as contas. O ingresso para o evento pode ser adquirido pelo site Sympla.
Agenda de festas virtuais
- Bate em casa – sábado (27). Mais informações na página do evento.
- Rockwork Online – 4 de julho.
- Goodbye Lenin em Casa – 10 de julho. Mais informações na página do evento.
- Quarentenália – 11 de julho.
- Acabou Chorare –17 de julho.
- Meltdown – 18 de julho.