Quando a noite está fria, e chove lá fora, e troveja no céu, é bom estar deitado na cama, no escuro do quarto, debaixo dos cobertores, sentindo o torpor mole do sono que chega. Dá a sensação de que você está bem resguardado dos terríveis perigos do mundo exterior.
Algum psicanalista talvez dissesse que o aconchego do leito remete ao útero materno, lugar em que você fica quente e confortável como em nenhum outro ficará durante a vida. Mas não. Não é boa comparação – o útero materno é úmido, com toda aquela placenta, enquanto os edredons deixam-no seco e acalentado.
Então, você passa a noite enrodilhado em um sono profundo, como se fosse um gato no sofá, e, às vezes, acorda, ouve o som dos relâmpagos ao longe, e volta a dormir com um suspiro longo e um meio sorriso.
É bom.
Mas, quando a manhã chega, você abre os olhos e vê que o céu está, como diriam antigos cronistas, “plúmbeo”. A chuva não cessou. Ao contrário, está alagando tudo à sua volta, você teme ficar ilhado, teme que caia a energia elétrica e, o horror! o horror!, fique o dia inteiro sem internet.
Sim, você sabe que isso pode acontecer, essa ameaça se aproxima rastejante e silenciosa, como o leão se aproxima da manada de gnus na savana. Você engole em seco. Você se sente um gnu. Pior: aquele gnu que se atrasa na hora de fugir do bando de leoas que atacam.
Aí, para se distrair, você faz um café e vai ver as notícias. Foi o que fiz nessa terça-feira.
E li que a nuvem de gafanhotos que está sobre a Argentina ainda ronda a fronteira gaúcha. Fiquei apreensivo.
Li sobre o Flamengo. Fiquei mais apreensivo. Porque é óbvio que o Flamengo urdiu um plano para transformar os outros clubes brasileiros em seus servos. Para isso, associou-se a Bolsonaro e está buscando aliados no exterior. O Flamengo está se transformando na praga de gafanhotos do futebol brasileiro. Maldito Flamengo!
Li que moradores do litoral do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina filmaram e fotografaram luzes desconhecidas no céu. Fiquei muitíssimo mais apreensivo. São discos voadores, evidentemente. Eu sabia que eles viriam um dia. E não terão intenções amistosas, claro que não. Eles serão como o Flamengo – vão querer nos escravizar. Malditos ETs flamenguistas!
Já estava no fim do café e da leitura, olhando melancolicamente para o céu... bem... plúmbeo, quando esbarrei no seguinte título:
“Chineses identificam, em porcos, vírus de gripe com potencial de gerar nova pandemia”.
Fui conferir aquilo. É sério: cientistas chineses anunciaram a descoberta de um subtipo de vírus influenza em fazendas que criam suínos em 10 regiões do país. O vírus já infectou humanos, e eles temem que se alastre pelo planeta, se não for contido rapidamente.
Terminei a leitura.
Terminei o café.
Um gnu. Eu era, definitivamente, um gnu.
Voltei para a cama. Para baixo dos cobertores. Lá fora estava frio, chovia, trovejava no céu.