Nunca mais vou conseguir participar de uma roda de chimarrão. Sinto dizer isso, mas, agora, quando compartilho o mate, fico pensando que a saliva também é compartilhada. Maldito corona, está acabando até com as nossas mais caras tradições.
Hoje mesmo lembrei de uma vez em que estávamos em um grupo grande, na praia. Éramos... o quê? Doze, talvez? Ou quatorze. Seja. O fato é que havia duas cuias de chimarrão que iam passando de mão em mão, de boca em boca. As gotículas de 12 pessoas acumuladas, superpostas e misturadas naquelas duas pontas de bomba de chimarrão. Posso, neste momento, em retrospectiva, ver o monturo de micro-organismos se elevando das biqueiras, todos aqueles vírus, bactérias e micróbios pulsantes, chamejantes, coruscantes.
Oh, Deus!
Não, não, chimarrão, a partir de 2020, só em petit comitê. E não adianta limpar a biqueira com o dedo. O corona e seus amigos não são despejados tão facilmente.
Sei que o Alegrete, do meu pai Gaudêncio, sei que Rosário do Sul, do famoso Tio Niba, sei que Itaqui, do meu velho colega de Piratini João Raul Borges Netto, sei que todos os gaudérios da Fronteira Oeste e outros rincões do Rio Grande amado agora estão bradando: “MAS QUE FRESCO!”
Sei disso.
Mas pensem, irmãos gaúchos: os uruguaios, que também são gaúchos, sorvem o mate de forma individual e até solitária. Você vai ao Uruguai e os vê andando por toda parte com a garrafa térmica debaixo do braço e uma pequena cuia na mão. Um grupo de 12 amigos uruguaios em geral tem também 12 cuias, 12 térmicas, 12 bombas. Ou seja: cada qual com suas gotículas. É muito mais higiênico. Não é à toa que o Uruguai está se saindo tão bem no combate ao corona.
Outro dia, inclusive, li a respeito de cinco amigos que se infectaram ao mesmo tempo, aqui, no Rio Grande. Sabe como eles se infectaram? Participaram da mesma roda de chimarrão. A roda de chimarrão assassina.
A verdade é que temos de promover algumas transformações de comportamento devido ao corona. Com sorte, a vacina salvadora nos alcançará no começo do ano que vem. Com sorte! Mas, mesmo assim, certas mudanças terão de se eternizar. Não conseguirei mais participar de uma roda de chimarrão sem pensar no indecente compartilhamento salivar. Não conseguirei sorver o mate com tranquilidade sabendo que, ainda que o corona tenha sido banido da face da Terra (Amén!), há outros bichos minúsculos parecidos com ele por aí. Não conseguirei. Me desculpem. Ficarei com meu chimarrão só para mim. Individualista. Sanitariamente correto. Meu mate, minhas regras.