De vez em quando, recebo um vídeo debaixo de um título mais ou menos assim: “O que a mídia global não conta sobre o coronavírus”.
Segue-se uma alentada teoria conspiracionista a respeito de notícias que estariam sendo escondidas pela grande imprensa para que a política de confinamento seja estendida ad eternum.
Segundo o raciocínio de quem faz esses vídeos, e de quem os aplaude, a mídia global defende o confinamento por interesses próprios. Isso me deixou curioso. Que interesses seriam esses? Quem poderia estar ganhando com o confinamento?
Até entendo que certos políticos sintam laivos de um prazer recôndito ao proibir que as pessoas saiam às ruas, mas, bem, o prazer é, exatamente, recôndito. É uma satisfação espiritual, que titila no fundo da alma, que dá ao político de instintos autoritários a impressão de que ele manda nos outros e que pode realizar o sonho de todos os homens pequenos do planeta: impedir o próximo de fazer o que deseja.
Mas isso nunca será algo racional. Nunca. Porque, racionalmente, governadores e prefeitos sabem que estão perdendo com o confinamento. As economias de suas cidades e de seus Estados irão derreter com a paralisação das atividades. Já derreteram, na verdade. Nos próximos meses, governadores e prefeitos terão menos impostos para gastar e precisarão readequar suas gestões a uma realidade empobrecida e triste.
E a “mídia global”? Por que a mídia global fabricaria o pânico, a fim de manter as pessoas presas em casa, como pintassilgos na gaiola?
Há quem diga que a grande imprensa viu prestígio e audiência aumentarem durante a pandemia. Quem diz, diz bem. É isso mesmo. As pessoas estão procurando se informar pela imprensa tradicional, porque sabem que as redes sociais e os aplicativos de mensagens são inconfiáveis. Há mentiras fermentando neles. Quando algo sério como a saúde está em jogo, o melhor é não arriscar: baseie suas decisões no que diz a Globo, ainda que você a chame de Globolixo, e não nos boatos que a sua tia manda no grupo de Whats da família, ainda que você ame sua tia.
Então, este é um fato: a audiência cresceu. Mas os recursos que vinham dos anúncios diminuíram. Premidas pela drástica retração do consumo, as empresas recuaram nos investimentos, demitiram funcionários, reduziram salários e retiraram grandes nacos de verbas de publicidade de seus orçamentos. As empresas de comunicação, assim, estão tendo, elas também, de recuar em investimentos, demitir funcionários e reduzir salários. A mídia global, a mídia regional, a mídia nacional, todas as mídias perderam, e muito, devido ao confinamento.
Ninguém gosta dessa situação. Eu não gosto, você não gosta, as nossas mães não gostam. Mas, até agora, o isolamento foi o único método que funcionou para conter essa pandemia – aliado a medidas de higiene, naturalmente.
Confesso, aqui, que, quando recebo um vídeo desses, torço para que esteja certo, para que a mídia global, por alguma razão sórdida, esteja escondendo as notícias maravilhosas de um mundo saudável e forte. Mas a verdade não é essa. A verdade, por enquanto, é dura. E quem conta a verdade não tem nenhuma culpa por isso.