Antes de começar a gravar os filmes em que faria papel dele mesmo, nos tempos da Jovem Guarda, Roberto Carlos chamou o diretor Roberto Farias e passou-lhe uma instrução:
— Eu não posso amar, eu não posso sofrer, eu não posso beijar.
Li isso na alentada biografia do Rei escrita por Paulo Cesar de Araújo, e gostei muito. Mostra a preocupação de Roberto com o que as fãs sentiam por ele. Afinal, em suas músicas Roberto ama, sofre e beija, é isso que ele mais faz. Por que, então, nos filmes não podia aparecer amando, sofrendo e beijando?
Eis a inteligência do Rei: ele sabia que, quando as moças ouviam-no cantar amores, sofrências e beijos, elas imaginavam que Roberto as amava, as beijava e por elas sofria. Portanto, se o vissem em um filme fazendo essas coisas com outra mulher, aquele sonho se esfumaria. Seria, de certa forma, uma traição. Roberto tinha tanto cuidado com isso que levou meses para tornar público o relacionamento com Nice, sua primeira mulher.
Aí está algo demasiado humano: a necessidade de ver para crer. Você sabe de algo, mas, enquanto não testemunhar com seus próprios olhos, custará a crer, sobretudo se for algo em que você não quer acreditar.
Esse é o princípio que rege a política brasileira dos últimos anos e é o tablado em que se equilibram as fake news. Não importa a realidade, as pessoas acreditam no que querem acreditar. A verdade é torcida e retorcida até que se adapte à vontade do consumidor.
Não faz muito tempo, os petistas eram criticados por jamais se renderem às evidências das ilegalidades cometidas por Lula. Era óbvio que ele aceitara favores de empreiteiros, era óbvio que ele sabia da corrupção em seu governo, mas nem toda a obviedade podia superar a paixão por um presidente ex-retirante e ex-operário que fascinava o mundo ao falar a chamada "linguagem do povo".
Hoje, os mesmos que criticavam os petistas não aceitam a verdade evidente de que Bolsonaro pretendia, sim, intervir em investigações da Polícia Federal. A troca de mensagens entre ele e Moro prova, o pronunciamento do próprio de Bolsonaro prova, mas os bolsonaristas juram que não, que é tudo perseguição da imprensa e dos comunistas.
É preciso que vejam para que acreditem? Ou será que nem vendo provas materiais acreditarão? Adianta mostrar a verdade a quem não a aceita por não gostar dela? Aposto que não: não adianta. Para bolsonaristas e lulistas, Bolsonaro e Lula estão acima dos fatos. Seus fãs fanáticos juram que, contra toda a lógica, eles não amam, não sofrem e não beijam. Porque, afinal, o desejo é maior do que a razão.