O sistema presidencialista não deu certo no Brasil. Temos de compreender essa verdade o quanto antes, a fim de mudar o quanto antes.
Digo que é uma verdade e o provo. Note: nosso modelo de República tem 131 anos. Nesse período, houve um único trecho de 20 anos ininterruptos de normalidade democrática. Um só.
Começamos com os marechais Deodoro e Floriano, que eram, como diria Elio Gaspari, ditadores envergonhados. Depois houve presidentes civis eleitos com alguma legitimidade, alguns fazendo até boa administração, mas a Constituição permitia arroubos que hoje seriam inaceitáveis. Arthur Bernardes, por exemplo, era um homem autoritário e cruel e com crueldade e autoritarismo chegou a abrir um campo de concentração no extremo norte do Brasil, perto do Oiapoque, para onde eram mandados seus adversários políticos.
Outro presidente da época, Delfim Moreira, tinha problemas mentais. Ele assumiu porque o presidente eleito, Rodrigues Alves, morreu vitimado pela gripe espanhola, peste bem parecida com a que ora enfrentamos.
Em 1930, você sabe, houve o golpe, e Getúlio manteve-se por mais 15 anos no poder. Depois, experimentamos uma breve aragem democrática com Dutra e a volta de Getúlio, mas, em agosto de 1954, o pai dos pobres saiu da vida para entrar para a História. E, de novo, mordiscamos um naco de democracia com Juscelino, seguido da renúncia de Jânio, da Campanha da Legalidade, de uma aventura parlamentarista, do retorno ao maldito presidencialismo e... bem, mais um golpe de Estado.
Se a história do Brasil fosse escrita por um ficcionista, ele seria um escritor que odeia seus personagens. Um sádico. Porque, quando finalmente os militares deixaram o poder e ia assumir um presidente civil... o presidente morreu! No momento em que isso aconteceu, em abril de 1985, eu já era jornalista e mal podia crer no que se passava. Imagine: além de Tancredo adoecer um dia antes da posse tão esperada, quem assumiu em seu lugar foi ninguém menos do que Sarney, que até anteontem era da Arena, o partido dos militares. Quer dizer: o Brasil não mudou mudando.
Nosso infortúnio é tamanho que, quando um presidente finalmente foi eleito pelo voto direto, ele não completou o mandato. Sofreu impeachment na metade do caminho. O autor do nosso romance gosta de nos maltratar.
Foi aí, a partir desse ponto, de 1993 a 2013, que vivemos nossos 20 anos de normalidade democrática. E, não por acaso, o Brasil cresceu, se fortaleceu, surpreendeu o mundo. A imagem do Cristo Redentor decolando na capa da The Economist foi o símbolo desse tempo cevado pelo Plano Real e garantido pela continuidade democrática.
Mas, nos últimos sete anos, voltamos à rotina de não ter rotina, de experimentar um solavanco político a cada semana, de esperar eternamente pelo fim de uma crise que só se agrava, em vez de aliviar.
O sistema presidencialista está no centro desse problema. O presidencialismo alonga crises, dá à eleição mais importância do que tem e, principalmente, estimula o populismo.
Nos Estados Unidos, o presidencialismo funciona porque é mitigado pela força dos Estados. No Brasil, a federação só existe no papel. Na prática, os Estados dependem da União. Por isso, o presidente é capaz de dizer, como Bolsonaro disse outro dia:
É uma ilusão. Um autoengano. No Brasil, o presidente não manda; ele atrapalha.