Há uma frase rolando pelos desvãos da internet que diz o seguinte:
"Não podemos voltar ao normal, porque o normal é o problema".
Corresponde a um raciocínio bastante comum, sobretudo em tempos de crise e perigo: o de que somos culpados pelas nossas desgraças. De que fizemos algo de errado e estamos pagando por isso.
Dois dos mais brutais conquistadores da História se aproveitaram com solerte inteligência desse sentimento tipicamente judaico-cristão, havendo uma distância de 800 anos entre eles: Átila, o Huno, e Gengis Khan. Ambos rotulavam a si próprios de "O Flagelo de Deus".
– Se vocês não tivessem cometido grandes pecados, Deus não lhes enviaria um castigo como eu! – anunciava Gengis Khan, antes de passar pelo fio da espada metade dos moradores de uma cidade que havia conquistado.
Era uma lógica muito conveniente, porque eximia o assassino da culpa; a culpa era das vítimas.
Óbvio que, às vezes, Gengis Khan tem razão: nós somos realmente responsáveis pelo nosso infortúnio. Às vezes cometemos bobagens das quais nos arrependemos e que nos causam pegajosos dissabores.
Só que, em outras oportunidades, não temos culpa pelo que acontece de ruim, nem mérito pelo que acontece de bom. Existe, sim, o acaso. Existem as fatalidades.
Já houve outras pestes na história da humanidade, e, depois delas, a humanidade seguiu seu curso e voltou "ao normal". É o que acontecerá na peste do século 21. Quando ela se for, festejaremos como adolescentes bêbados, veremos o sol raiar abraçados como jovens amantes, brindaremos à existência. Mas, depois, a vida retomará o seu ritmo morno de cada dia, nos esqueceremos da dor e tudo será, de novo, como sempre foi.
Mas algo pode mudar.
Podemos evoluir.
O que a humanidade pode fazer de útil não é a contrição, não é se mortificar com o cilício, gemendo, com as costas em sangue, e admitindo que é sua culpa, sua culpa, sua máxima culpa!
Nada disso.
O que a humanidade pode fazer é se prevenir.
Se o mundo não quer que pestes voltem a ocorrer, se não quer que economias sejam dissolvidas, empresas fechem e empregos se percam, o mundo tem que investir em pesquisa, em ciência, em saneamento, em boas condições de saúde para todos, sem exceção.
Se houver essa compreensão, podemos, sim, voltar "ao normal". Até porque, desta vez, a culpa não é nossa.
De quem é a culpa?
Você já sabe.
A culpa é daquele chinês que comeu morcego!