- Incidência de covid-19 em Porto Alegre é de 27 casos a cada 100 mil habitantes
- Distanciamento social, menor presença de voos para o Exterior e boa rede de atendimento de saúde são apontadas como causa
- Medidas adotadas levaram ao achatamento da curva epidemiológica e colocaram pico de casos mais para frente, o que é positivo
Na esteira dos bons indicadores do Rio Grande do Sul, Porto Alegre reduziu a velocidade de avanço do coronavírus e está, dentre as 27 capitais brasileiras, na lista das 10 cidades com menor incidência de infecções e proporção de mortos em sua população. O levantamento, feito pela empresa de ciência de dados de saúde Dataglass, usa dados oficiais até a manhã desta quinta-feira (23) e leva em conta o tamanho da população de cada localidade.
No início da pandemia de coronavírus, o Ministério da Saúde alertava que Porto Alegre era uma das capitais brasileiras que mais inspirava alerta, por ter a população mais velha do Brasil (15% de todos os habitantes) e o inverno rigoroso, época em que aumenta a ocupação de leitos em hospitais.
Mas os riscos, ao menos até agora, foram reduzidos. A incidência da covid-19 em Porto Alegre é de 27 casos a cada 100 mil habitantes, cerca de quatro vezes menos do que em São Luís (MA), Recife (PE) e Fortaleza (CE), onde as emergências estão quase lotadas.
A capital gaúcha ainda tem a oitava taxa de letalidade (porcentagem de mortos sobre total de doentes) mais baixa dentre as capitais: 2,5%, abaixo da média nacional de 6,4% e da média estadual, de 2,9%. João Pessoa (PB) tem o pior índice, seguido de Manaus (AM). Mas o indicador, alertam especialistas, está abaixo da realidade, uma vez que faltam testes para diagnóstico em vários Estados.
Tomando como base o total de mortos, a capital gaúcha registrou até agora 10 vítimas por covid-19 – bem longe de São Paulo (778), Rio de Janeiro (303) e Fortaleza (176).
Segundo especialistas, a principal explicação para a conquista é a aplicação das medidas de distanciamento social antes do crescimento da epidemia. A capital gaúcha foi uma das primeiras – aulas em escolas foram canceladas em 18 de março. São Paulo e Rio de Janeiro já tinham feito o mesmo, mas contavam um número de casos muito maior.
A decisão de Porto Alegre ocorreu seis dias antes da confirmação da primeira morte. Segundo o prefeito Nelson Marchezan citou, em live de GaúchaZH na quarta-feira (22), Nova York demorou uma semana após a confirmação da primeira morte para impor a primeira restrição e Madri, 13 dias. Resultado: Porto Alegre, 26 dias após a primeira morte, somava 10 vítimas. Nova York e Madri tinham, cerca de 40 dias depois após a primeira morte, 8,8 mil e 7 mil óbitos, respectivamente.
— O Rio Grande do Sul implementou medidas de restrição no momento certo, antes do forte aumento no número de casos. Houve, ainda, uma mobilização da população muito grande, no início, para aceitar as restrições. Depois é que reduziu aos poucos — afirma Paulo Gewehr, médico infectologista do Hospital Moinhos de Vento e membro da Câmara Técnica de Infectologia do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers).
Contou a favor de Porto Alegre, também, o fato de o aeroporto ter menos voos do Exterior do que São Paulo, Rio de Janeiro e outras capitais do Nordeste, o que reduziu o risco de viajantes importarem o vírus. Para além disso, a capital gaúcha tem um sistema de saúde básico e complexo mais estruturado em comparação a outras regiões, destaca Dário Pasche, professor de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
A cidade tem, proporcionalmente, a quinta maior oferta de leitos de UTI: são 56,3 camas a cada 100 mil habitantes, acima da oferta de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, segundo levantamento do Dataglass. Um dos fatores que explica a boa oferta é a concentração de hospitais universitários com leitos do Sistema Único de Saúde (SUS). É o caso de Clínicas (UFRGS), Santa Casa (UFCSPA) e São Lucas (PUCRS).
— Porto Alegre é uma das cidades com sistema de saúde bem abastecido. Fortalecemos a atenção básica nos últimos anos, ainda que haja uma certa crise, com fechamento do Imesf e redução das equipes de saúde da família. Na média e alta complexidade, estamos bem estruturados. Como não tivemos explosão de casos, organizamos o sistema: abrimos leitos, compramos equipamentos, preparamos médicos e enfermeiros e providenciamos os equipamentos de proteção individual — pontua o professor.
Porto Alegre registrou achatamento da curva
Dados da Secretaria Municipal da Saúde (SMS) mostram que Porto Alegre teve a curva da epidemia achatada. No dia com maior número de novos casos, 31 de março, foram registradas 32 novas infecções. Já na última semana, nenhum dia teve mais de 10 novas infecções.
Estudo do grupo Análise Covid-19, que reúne várias universidades brasileiras, também confirma achatamento da curva e aponta que o pico foi empurrado do fim de maio para entre 9 e 13 junho. Jogar o auge da epidemia para frente não é “erro de previsão”, mas justamente aquilo que governo e médicos buscavam: assim, ganhou-se tempo para preparar a cidade e para acumular conhecimento científico.
— O conjunto de dados de abril aponta para desfecho diferente em relação ao esperado para o conjunto de dados de março. Em abril, a curva de infectados está mais achatada, o melhor caminho para lidar com a pandemia — afirma a bacharel em Biomedicina Mellanie Dutra, doutora em neurociência pela UFRGS e coordenadora do estudo, conduzido também por Fernando Borges Weimer e outros pesquisadores.
O achatamento da curva foi confirmado por Marchezan, que credita o sucesso ao distanciamento social. Ele, no entanto, afirmou em live que a doença ainda não chegou à periferia.
— Mapeamos nos hospitais as possibilidades de aumento de leitos de UTI e de espaços físico até chegarmos a um ponto de que conseguimos expandir para atender a todas as eventuais necessidades, sem precisar construir um hospital de campanha, que é uma estrutura mais simples — afirmou Marchezan.
Em São Luís, capital com mais alta incidência de coronavírus, os leitos de UTI estão quase lotados. Para conter os casos, o governador Flávio Dino vai tornar obrigatório o uso de máscaras em ambientes públicos e privados.
Fortaleza e Recife, pontos de passagem para vários voos da Europa, são outras capitais com altas taxas de infecção. Na capital cearense, os casos estão concentrados em bairros de classe alta, mas as mortes, na periferia. A partir da cidade, a doença avançou ao interior a ponto de chegar a mais de cem municípios.
Em Manaus, o sistema de saúde já está em colapso: segundo o prefeito Arthur Virgílio afirmou à Rádio Gaúcha, cerca de 10% dos mortos por coronavírus nos últimos dias morreram em casa, por conta da falta de atendimento. Em um único dia, foram mais de 120 vítimas, um ritmo tão grande que mortos são enterrados em vala comum. Dentre as falhas, estão estrutura de saúde deficiente, menor adesão ao distanciamento social, baixa testagem da população e influência da estação de chuva.
No entanto, analistas da área da saúde temem que a boa conquista de Porto Alegre se perca com a liberação de serviços nos próximos dias. O controle da epidemia pode se perder, se os porto-alegrenses não se cuidarem.
— Pessoas começarão a ser liberadas e teremos um risco muito maior de o vírus voltar a circular. O quão grande é esse risco não sabemos: depende de como as pessoas vão circular e se cuidar. Até o momento, é bem otimista nosso cenário, ainda que se veja sob os olhos da subnotificação, porque só testamos casos graves e de profissionais da saúde. É apenas a ponta do iceberg — acrescenta Gewehr, do Hospital Moinhos de Vento.