Tinha um cara com binóculo na janela, em um prédio aqui perto. Ficou um tempão perscrutando a vizinhança. E eu, da minha própria janela, parei para observá-lo.
Suponho que esse deve ser um esporte muito praticado nos tempos de confinamento, isso de olhar a vida pela janela. Mas, como grande parte da cidade está trancada em casa, meu vizinho fez o certo: aparelhou-se. Municiado com lentes de boa capacidade, ele pode invadir outros apartamentos e se imiscuir na rotina alheia como se estivesse sentado na sala de estar do seu, digamos, "objeto de estudo".
Vi que ele girava o pescoço para um lado, para outro e, de repente, estacou. Fixou-se num ponto. Chegou a projetar o corpo para frente, tamanha a concentração. Havia descoberto algo que o interessava mais do que tudo. Ficou ali, naquela posição, imóvel como o leão que espreita a vítima na savana do Serengeti.
Garanto que era uma pelada. Só podia ser uma pelada.
Eu já tive uma vizinha que tirava a roupa com a janela aberta, já contei essa história. Foi um grande privilégio, um momento elevado da minha existência. Ela dançava diante do espelho e ia tirando a roupa peça por peça. Eu, da minha janela, sentia vontade de aplaudir, mas me mantinha recolhido feito um tatu-bola.
Não são todos que têm a mesma sorte que tive, mas, olha, vou dar uma notícia alvissareira: as mulheres estão se desnudando nessa quarentena. Sério. Vá ao mundo real: as redes sociais. Lá você verá chusmas, enxames, cardumes de mulheres nuas ou parcialmente nuas, a maioria em poses sensuais, a boca entreaberta, o olhar de Capitu.
Por que isso?
Tenho uma tese: é o instinto de sobrevivência que titila.
Quando ocorrem tragédias coletivas, que põem nossa vida em risco, as mulheres, que são muito mais sensíveis ao chamado da natureza do que nós, homens embrutecidos, as mulheres são tomadas por sensações primevas de preservação da espécie Homo sapiens sobre a face da Terra. Esses desejos ancestrais exigem que elas cumpram a primeira ordem de todas as ordens, de todos os seres vivos: a de reprodução. Então, as mulheres se esforçam para estimular o bronco macho da espécie a sair da frente da TV e fazer o que deveria: filhos.
É o que ora acontece.
Além disso, há o prazer que uma jovem mulher sente ao mostrar a beleza de seu corpo para os outros seres humanos. Ela passa horas de seu dia levantando peso, fazendo agachamentos, bufando em abdominais. Ela olha para a barriga definida, para o umbigo sem funflas, e o que ela pensa é: não posso guardar isso só para mim. E se filma e se fotografa e posta nas redes, para gáudio dos mortais comuns, como você e eu.
Uma amiga minha, amiga bela, longilínea e dourada como uma Gisele, certa feita ela estava na praia e foi tomar banho. Debaixo do chuveiro, cantarolando "olha, você tem todas as coisas que um dia eu sonhei pra mim", de repente ela olhou com o rabo do olho pela basculante e percebeu que, do outro lado da rua, o filho do vizinho a observava, também ele de seu banheiro. Minha amiga estava nua e molhada, nunca uma mulher esteve tão nua e tão molhada. E assim, exposta, sabe o que ela fez?
Nada.
Continuou tomando o seu banho, só que mais devagar, com movimentos mais lentos, mais longos, pressentindo que o rapazote, do outro lado da rua, se regozijava com sua sorte. Ofereceu o espetáculo do próprio corpo por mais dois dias. Dois dias de banho demorado, tomado no mesmo horário, deixando que o outro a visse sem pejo. No terceiro dia, fechou a janela. E não abriu mais. Havia se cansado de dar show. Conta ela que, nos dias seguintes, às vezes podia ouvir os gemidos distantes e doloridos do vizinho enquanto ela tomava banho com a basculante hermeticamente cerrada. As mulheres, quando querem, sabem ser más.