Na sexta, eu passei pelo Zé, que trabalha numa portaria aqui perto de casa, e brinquei:
– Cuida, Zé, que o corona vai te pegar!
Ele desdenhou:
– Eu, o corona não me pega...
Parei. Finquei as mãos na cintura:
– Por quê?
– Porque eu como alho.
Ergui uma sobrancelha.
– Eu também como alho!
– Mas tem de ser cru.
Ah, pois é... Conheço essa fama do alho. Nos tempos amenos da gripe A, diziam até que o alho era melhor remédio do que o Tamiflu. Uma vez, entrei em um táxi e cometi o erro de sentar ao lado do motorista. Mal ele fechou a porta e um cheiro nauseabundo e quente me envolveu. Era um odor azedo, que descia do nariz e grudava na garganta. Olhei para o motorista:
– Me desculpa te dizer, mas o teu carro está com um cheiro estranho...
– Ah, não é o carro – respondeu ele, sem tirar os olhos do trânsito. – Sou eu.
– Hein?
– É que eu como alho – confessou, e então se virou na minha direção, abriu a boca e mostrou, sobre a língua vermelha, dois dentes de alho meio amarelecidos.
Aquela visão me deixou ainda mais mareado. Só não pedi para descer ali porque a corrida era curta.
– Por que tu faz isso? – perguntei.
– Assim eu nunca pego gripe!
– Mas será que não é melhor pegar gripe? – questionei, e ele ficou me encarando com o olhar vazio típico de um chupador de alho.
Outro desses adeptos do alho cru nadava na mesma piscina em que eu ia me exercitar, tempos atrás. Era uma piscina grande, semiolímpica, de 25 metros. E, quando ele nadava, deixava toda a água com cheiro de alho, como se não fosse água, fosse molho. Cristo.
O alho é mesmo poderoso.
Deveria aderir a tal prática, por causa da ameaça do corona? Devo pagar o preço?
Será que as pessoas que me cercam entenderiam o meu novo status olfativo?
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Enquanto não tomo essa decisão radical, permaneço recolhido, aproveitando para fazer coisas de que gosto. E, a propósito disso, a Redação de ZH pediu que desse dicas para as pessoas que também estão confinadas e procuram algo a fazer com seu tempo.
Fiquei pensando. Quem sou eu para dizer o que as pessoas devem fazer com seu tempo? Posso contar o que EU gosto de fazer com o meu. Ultimamente, ler e jogar xadrez. Se você também é enxadrista amador, inscreva-se no site chess.com. Você vai gostar. Tenho melhorado o meu ranking, inclusive. Se passar de 2 mil pontos, faço uma festa quando o corona deixar.
Quanto aos livros, vou fazer uma lista de cinco autores imperdíveis do Rio Grande amado. Esses você tem de ler com urgência. Se já leu, leia de novo. Aí vai:
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Os Ratos, de Dyonélio Machado.
Fiz com que o Magro Lima, estrela singular da Atlântida e do podcast Era Uma Vez no Oeste, comprasse Os Ratos e ORDENEI que lesse. Ele ainda não leu, desobediente que é. Quando ler, vou ORDENAR que faça uma resenha a respeito. Estou curioso para conhecer a opinião de um lídimo representante da pós-modernidade sobre esse clássico da Porto Alegre europeia dos anos 40.
O Tempo e o Vento, de Erico Verissimo.
Esse é o fundador da imagem que o gaúcho usufrui no resto do país e nos seus próprios devaneios. Todos nós queríamos ser o Capitão Rodrigo. Meu sonho seria chegar num bar, dar um tapa sonoro no balcão e lançar o desafio:
– Buenas e me espalho! Nos pequenos dou de prancha e nos grandes dou de talho!
Contos Completos, do Sérgio Faraco.
Esse é o melhor contista brasileiro, talvez empatado com João Antônio, que, como o Faraco, era da sinuca. Diz o Faraco que jogou sinuca com o João Antônio e ganhou. Então o Faraco é de fato o melhor contista brasileiro.
Os Varões Assinalados, de Tabajara Ruas.
Se você quer aprender com gosto sobre a Guerra dos Farrapos, leia essa preciosidade. O Taba o escreveu como um folhetim, na Zero Hora dos anos 1980. Tornou-se um épico. Vou ler de novo qualquer dia desses.
Para fechar minha lista de cinco gaúchos imperdíveis, vou dar um brinde, vou citar mais dois livros, porque é difícil deixar um desses de fora: Os Tambores Silenciosos, de Josué Guimarães, e Contos Gauchescos, de Simões Lopes Neto.
Todos os que relacionei são livros de gaúcho, entende? Gaúcho! Mas, como toda alta literatura, são também universais. Aproveite o confinamento lendo esses que são o que de melhor o Rio Grande produziu, enquanto estiver tomando um mate e mastigando dois dentes de alho.