O ministro Gilmar Mendes avisou que vai processar quem chamá-lo de corrupto. Ele está certo. Porque, a menos que se prove o contrário, ele não é corrupto. Mas é amado pelos corruptos. E não só por eles. Criminosos de todos os tipos amam Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Celso de Mello e Marco Aurélio Mello, os ministros do STF que mudaram o entendimento da prisão depois da condenação em segunda instância.
Mas não nos enganemos. A questão da prisão em segunda instância, se for analisada de forma isolada, não é decisiva para o país. Ela é apenas mais um elo na corrente de ideias e atos que fazem o Brasil ser a nação da impunidade. E, aí, sim, esse ponto específico acaba se tornando decisivo – porque faz parte de um conjunto de exemplos que norteiam o comportamento do povo brasileiro.
Não usei essa palavra, “exemplo”, à toa. Porque nada educa mais do que o exemplo. O pai e a mãe têm de cuidar mais da forma como se comportam diante dos filhos do que com o que lhes falam. Palavras o vento leva, já ensinou o poeta, e boas intenções só fazem o bem, de fato, quando se transformam em ações.
O Brasil é um pai do pior tipo. Muito fala, pouco faz e, se faz, faz mal. Os filhos do Brasil nascem tortos e morrem tortos e, não, a culpa não é deles. É do pai. É do Brasil.
Uma nação, assim como uma família, precisa zelar por seus filhos suprindo-lhes as necessidades básicas, como educação, saúde e segurança, sem esquecer de sua formação moral. O Brasil não faz nada disso.
O Brasil muitas vezes não pune e, quando pune, o faz de forma errada.
Se você abrisse a página de GaúchaZH nesta segunda-feira, esbarraria em três notícias que demonstram o que digo. Uma foi sobre o julgamento dos acusados da morte por espancamento de um menino de 17 anos em Charqueadas. A segunda foi sobre o assassinato de uma menina de 23 anos por um homem que queria lhe roubar o celular na Cidade Baixa. A terceira foi sobre a morte de uma grávida de 23 anos e de um rapaz de 18 durante um tiroteio na Restinga.
No caso de Charqueadas, os nove acusados estão presos. Eles eram membros de um “bonde” na cidade. Na cadeia, dois deles foram promovidos: agora são integrantes de uma facção criminosa. Eram amadores, hoje são profissionais.
O caso da Cidade Baixa é pueril. O ladrão queria o celular, a moça não entregou. Ele, sem hesitação, sem compaixão, sem medo, provavelmente sem remorsos, deu-lhe um tiro no rosto.
No caso da Restinga, o motivo dos assassinatos foi… nenhum. Segundo a polícia, líderes de uma facção criminosa mandaram que os assassinos atirassem aleatoriamente numa região dominada por um bando rival. A grávida, seu nenê e o menino de 18 anos morreram só porque estavam na rua.
Nos três casos, está impressa a marca da impunidade. Matou-se por motivo fútil ou por motivo nenhum. Por quê? Porque se pode matar no Brasil. Nada vai acontecer. Se acontecer, a punição não vai corrigir, não vai educar, não vai reprimir. Ao contrário, vai servir para que o punido se torne mais perigoso do que era antes da pena.
Essa situação não foi forjada de uma hora para outra. Isso é obra de décadas. A sociedade brasileira foi distorcida moralmente pelas duas ditaduras que enfrentou e, depois, pela resposta equivocada às ditaduras: a Constituição de 1988, que, ao combater o autoritarismo, subverteu a autoridade. Agora, num arremate requintado da danação brasileira, aí estão nossos próceres, agindo como agem, protegendo seus pares da cobrança da lei, fazendo com que quem pode mais possa tudo. E não, muitos deles nem corruptos são. Duvido que Gilmar Mendes e Dias Toffoli o sejam. Mas eles são garantidores da impunidade e, por isso, são também responsáveis pelo medo que sentimos, pelas famílias devastadas, pelas lágrimas dos pais que perderam seus filhos neste país selvagem, brutal, profundamente injusto.