Nós ainda não ganhamos um Prêmio Nobel, mas já temos uma santa. E foi mérito da iniciativa privada, o governo não teve nada a ver com isso, apesar da presença ululante de políticos no Vaticano, durante a cerimônia de canonização.
No Brasil, o Estado é ubíquo e, ao mesmo tempo, falho. O Estado participa de quase tudo e não resolve quase nada.
Será que agora vai?
Será que sairemos da crise?
É possível, se contarmos com a ajuda da santa e da sociedade. Do Estado não se pode esperar muito, até porque essa é uma crise dele mesmo – do Estado. É ele que precisa de socorro. Roguemos: Santa Dulce dos Pobres, salve o Estado brasileiro!
Alguns economistas chamam o nosso modelo econômico de "capitalismo de Estado". Gosto dessa definição, porque é algo que combina com nossa personalidade contraditória. No capitalismo clássico, o mercado é o grande agente, e o Estado, embora tenha suas atribuições, o que mais faz é regular e fiscalizar. No Brasil, não. No Brasil, o Estado é ubíquo e, ao mesmo tempo, falho. O Estado participa de quase tudo e não resolve quase nada.
Morando nos Estados Unidos, percebi com mais clareza essas nossas incongruências. Porque os Estados Unidos são os campeões do capitalismo, a terra dos livres, como apregoa o hino, e nunca senti tanto a presença do Estado como aqui. E não é só na segurança e na educação, não. Em toda parte, o Estado se manifesta, nem que seja para dizer como tem de ser feito.
O melhor exemplo é o Prêmio Nobel de Medicina, vencido dias atrás por um cientista que trabalha no hospital onde me consulto, o Dana-Farber. Suas pesquisas, e outras tantas, são privadas, sim, mas com o apoio inestimável do Estado, através de gordo financiamento.
O que os americanos conseguiram foi um equilíbrio delicado: o Estado serve à sociedade, e uma das maneiras de servir a ela é controlando o mercado, para que ele não se torne grande demais, forte demais e injusto demais. Mesmo assim, essa tarefa do Estado está em permanente debate – alguns querem mais controle, outros menos.
No Brasil, o Estado, ao contrário, se serve da sociedade. O contribuinte sustenta uma estrutura gigantesca e parnasiana, porque ela parece existir apenas para existir. O pior é que ninguém fica satisfeito: o consumidor reclama de que o serviço prestado é ruim e o prestador de serviços reclama de que o salário é baixo.
Não estou contando nenhuma novidade, esse mal já foi diagnosticado. A minha preocupação é com o remédio. Porque, na ânsia de acabar com a doença, o governo pode matar o doente. Algumas tarefas que são obrigação do Estado só serão cumpridas pelo Estado, e ninguém mais. A iniciativa privada busca o lucro. Em geral, lucro rápido. Longos e custosos investimentos só são realizados por um mercado estável e maduro, e este não é o caso do Brasil.
Usei o exemplo do Prêmio Nobel do cientista aqui de Boston para elogiar o Estado americano. Usarei o exemplo de cientistas paulistas para elogiar o Estado brasileiro. Pesquisadores da USP, apoiados pela Fapesp e pelo CNPq, todos órgãos públicos, desenvolveram um sofisticado tratamento de cura de alguns tipos de câncer com tecnologia 100% nacional. Não há como estabelecer o valor disso em vidas e em bem-estar para as pessoas, e em recursos e prestígio para o país. Para você ter ideia: esse tratamento é recente nos Estados Unidos, e custa algo como US$ 500 mil. Ou seja: mais de R$ 2 milhões!
O que os cientistas de São Paulo conseguiram é tão importante, que se torna imensurável. E, sem o Estado, essa façanha seria impossível. É uma lição a aprender. O Estado que opera mal é ruim. Mas o Estado que não opera é ainda pior.