Fui ver Vingadores e, para minha própria surpresa, gostei. É verdade que tem um guaxinim que fala e um tronco de árvore que luta, coisas muito irritantes para quem aprecia um pouco de coerência, mas, no todo, os autores do filme conseguiram a façanha de torná-lo importante. Quer dizer: esse é um filme que você acaba tendo de assistir.
Não é fácil fazer isso. Não basta ter dinheiro e investir em marketing. As pessoas precisam encontrar razões para se envolver com a trama que está sendo narrada. No caso, duas razões: uma é a qualidade dos personagens, que, se não são exatamente profundos, são, alguns, interessantes; outros, divertidos. A segunda razão é o encadeamento de histórias que remetem a outras histórias, o que dá ao espectador a impressão de que nada está ali por acaso.
Outro trunfo do filme é o vilão. De certa forma, o personagem mais complexo de todos. Thanos faz o mal, mas não é mau. Mesmo que esteja decidido a matar metade do universo, não parece cruel, não gargalha malignamente, nem se diverte com o sofrimento alheio. Ao contrário: move-se com certa resignação filosófica, com certa tristeza conformada, quase com pena de quem vai eliminar. Como se dissesse: “As coisas são assim mesmo, o que é que eu vou fazer?”.
Mas o que mais me agradou em Thanos é um bordão que ele repete:
– Eu sou inevitável.
Tipo: não adianta lutar, não adianta reclamar, não adianta não gostar. Ele é inevitável, e pronto.
Sabe o que me lembrou?
A campanha eleitoral de Jair Bolsonaro.
Os bolsonaristas repetiam, a todo instante, fazendo um trocadilho: “É melhor ‘Jair’ se acostumando”. Você poderia detestar Bolsonaro, poderia achar suas ideias atrasadas, poderia gritar sua revolta para o mundo, não faria diferença: Bolsonaro se elegeria, porque havia conseguido se transformar na nêmesis do PT.
Os bolsonaristas estavam certos. Foi o que aconteceu. E o Brasil talvez tivesse de passar por esse processo dialético, ir de um extremo a outro, sem escalas no trajeto. Ou seja: da tese diretamente para a antítese. O que sugere que, na próxima eleição, surgirá a síntese, o meio-termo entre os dois.
Pode ser.
Bolsonaro, portanto, não chegou a ser surpresa. A surpresa foi o punhado de personagens exóticos que com ele se alçou ao poder. Os filhos do presidente e os ministros ideológicos são como o guaxinim falante e o tronco de árvore brigão do filme: pessoas esquisitas, com comportamentos esquisitos. Mas nenhum roteirista criaria um personagem como o autointitulado filósofo Olavo de Carvalho, um Thanos sem grandeza.
Normalmente, pessoas arrogantes, mal-educadas e agressivas despertam ojeriza nas outras pessoas. Mas Olavo de Carvalho é tudo isso e tem admiradores aos milhares!
Alguém talvez argumente que as ideias dele são boas.
Não são.
Cito uma: Olavo de Carvalho jura que não foram os militares que derrubaram Jango. Segundo ele, o golpe foi obra de líderes políticos civis, que, depois, acabaram sendo cassados pelos militares. Sério! Ele diz que Jango fugiu da caneta de Lacerda e não dos tanques do general Mourão Filho.
É incompreensível que o Brasil tenha de levar a sério personagens como esse. Mas não é inevitável. Certos vilões deveriam ficar de fora do nosso roteiro.