O país inteiro falava naquele tailleur xadrez. Ou, melhor, no conteúdo do tailleur xadrez. Ou, melhor ainda, no que não era coberto pelo tailleur xadrez. No caso, as duas pernas morenas e lisas e torneadas e fortes e provavelmente macias de se tocar de Thereza Collor, chamada na época, o remoto ano de 1992, de "a cunhadinha do Brasil".
Thereza era, na verdade, cunhada de Fernando Collor, o presidente da República, e mulher de Pedro, seu irmão. Dizem que foi por ciúme de Thereza que Pedro atacou Fernando, causando grande crise nacional e terminando em impeachment. Lembro-me da capa da revista Veja que detonou o irreversível processo de desgaste do presidente: Pedro lançando um olhar de fúria para a câmera, acima do título:
"Pedro Collor conta tudo".
Que delícia para um jornalista poder fazer um título desses. Eu mesmo, anos antes, sentira tal prazer. Era o editor-chefe do Jornal da Manhã, em Criciúma. O ídolo da cidade era o meia-esquerda Rached, que havia sido o melhor jogador do campeonato de 1986, quando o Criciúma conquistou seu primeiro título estadual. Rached havia sido contratado do Grêmio, onde jogara com Renato, De León, Tarciso, aquela turma. Era um cara bonitão, alto, moreno, meio árabe, como indica o nome.
As mulheres da cidade eram apaixonadas por Rached e corriam lendas de que ele se tornara o responsável pela separação de alguns casais ilustres da alta sociedade. No dia em que fiz a entrevista, Rached estava se despedindo de Criciúma – havia sido vendido para outro clube. Então, ele topou revelar pormenores, inclusive os sórdidos, de suas aventuras extracampo. Fui ao apartamento dele e o fotógrafo Ezequiel Passos o fotografou de calção branco, fazendo pose sedutora em cima do colchão do quarto, tendo ao fundo um espelho, onde se lia, escrito a batom: "Te amo". É claro que essa foi a foto da capa do jornal e é claro que rasguei a manchete: "Rached conta tudo!".
No dia seguinte, um sábado, fui para a praça central para ver o jornal sendo disputado nas bancas de revista. Foi lindo. Gostaria de fazer outros títulos neste estilo. Tipo: "Marina Ruy Barbosa conta tudo!". Garanto que teria leitura. Garanto que você leria.
Pedro Collor contou tudo à Veja e derrubou o irmão da Presidência. Thereza, dentro daquele seu tailleur, virou celebridade, tornou-se até modelo fotográfica. E nós, cidadãos brasileiros, ouvíamos todo gênero de histórias da família presidencial: uns diziam que Fernando se repoltreara com a cunhada, outros que ele apenas havia "dado em cima" dela e uns poucos sustentavam que nem isso ocorrera e que Pedro era louco. A mãe dos dois irmãos, dona Leda, foi uma dos que disseram isso. Ela mandou uma carta a deputados alegando que Pedro tinha problemas mentais e o destituiu do comando dos jornais da família, em Alagoas. Os deputados não acreditaram nela, levaram a sério as denúncias e abriram o processo de impeachment. Duas semanas antes de Collor ser tirado da Presidência, Leda sofreu três paradas cardíacas, entrou em coma e nunca mais acordou. Morreria menos de três anos depois. Pedro morreu antes dela: em 1994, ele descobriu dois tumores do tamanho de limões no cérebro e não viveu mais do que um mês.
A família Collor era unida e forte até conquistar o poder. Aí, o poder destruiu a família, que acabou perdendo o poder. Um quarto de século se passou, e o Brasil assiste novamente, e estupefato, a mais uma Presidência que trata o governo como assunto de família. Meu Deus. Nós não aprendemos nunca.