Nunca bati no meu filho. Nunca lhe dei uma palmada, uma chinelada, um puxão de orelha. Se tivesse de fazer isso, ficaria arrasado depois. Eu é que sofreria com um arrependimento que voltaria sempre a me atormentar, ainda que se passassem anos.
Algumas vezes, não muitas, lhe impus castigos. Nada demais. O mais grave foi ficar um dia sem jogar no computador. Ainda assim, meu filho é obediente e me respeita. É um bom menino.
Não gosto de castigos físicos, mas também não censuro os pais que, vez por outra, dão um beliscão nos filhos. Eu, inclusive, apanhei bastante quando pequeno: de chinelo, de cinta e até de vara de marmelo. Minha mãe batia, e eu, de raiva, não chorava. Doía, mas me segurava. Aí ela é que ficava com raiva e batia ainda mais. Não adiantava – eu não chorava. Guri teimoso.
Há alguns anos, chamei a atenção do meu filho por algo que ele fez de errado. Não lembro o que foi, só sei que lhe passei uma descompostura. Minha mãe estava junto e protestou:
— Não xinga o menino!
Olhei espantado para ela:
— Mãe! Tu batia em mim de cinta quando eu tinha a idade dele!
Ela:
— Ah, era outra época…
De certa forma, ela tinha razão. O mundo vai mudando, a civilização vai se aperfeiçoando e vai compreendendo que certos atos, antes tolerados, na verdade são intoleráveis.
A ideia é essa: temos a esperança de estar em um processo evolutivo, de estar melhorando.
Há algo, porém, que é capaz de romper com tudo que é humano: a violência. Quando estão acuadas pela violência, as pessoas sentem medo. Quando sentem medo, as pessoas se transformam em feras.
Foi o que aconteceu no Brasil. Massacrado pela violência e pelo medo, o brasileiro entrou em um processo de involução. Foi se desumanizando e, aos poucos, aceitando o que deveria ser inaceitável.
A eleição de Bolsonaro só foi possível devido a esse mecanismo de brutalização. Não estou qualificando Bolsonaro ou seu eleitor, estou apenas fazendo uma constatação, que até é óbvia: há alguns anos, um homem com as ideias e o comportamento de Bolsonaro seria mais do que inviável como líder político, seria uma piada. Hoje, Bolsonaro é presidente da República e alguns o chamam de "mito".
No entanto, a eleição de Bolsonaro foi uma decorrência lisa e incontestável da democracia: era isso o que as pessoas queriam. Queriam um candidato brutal, que lhes suprisse a ânsia de brutalidade.
É sempre assim. Nos Estados Unidos dos anos 1970, Charles Bronson se consagrou com uma série que tinha um título brutal: Desejo de Matar. O protagonista sentia desejo de matar fora da lei, só isso. E os americanos da época, acossados pela violência urbana, entravam em êxtase vendo Bronson massacrar bandidos nas ruas de Nova York.
Hoje, é o brasileiro que sente vontade de matar. Ele anseia por alguém que reaja com violência à violência que o desespera. Por isso, ninguém se choca com homens que estão há mais de uma semana algemados em viaturas da polícia, em Porto Alegre, por falta de vagas nas cadeias. Em qualquer lugar civilizado, uma situação dessas seria um escândalo, seria intolerável. Mas nós toleramos. Porque estamos andando para trás. Estamos perdendo a compaixão. Estamos nos tornando menos civilizados. Uma tragédia, porque menos civilização é igual a menos humanidade.