Tem uma mensagem que, se conseguir passar para o meu filho, considero cumprida minha principal missão de pai. Esforço-me todos os dias para transmitir-lhe isso e o faço menos com palavras e mais com ações, porque o que ensina, de verdade, é o exemplo.
Você observa uma criança se desenvolvendo e aprende com ela também. Ela atravessa diversas etapas críticas durante o crescimento, e você precisa ter sensibilidade para lidar com cada uma.
Um dos momentos mais decisivos, o momento sobre o qual venho escrevendo toda a semana, é aquele em que a criança descobre que não é imortal.
É um choque.
Não existe idade certa em que essa descoberta é feita. Às vezes, isso só acontece na vida adulta, e aí sobrevém o trauma inevitável. Ontem, contei a respeito do repórter fotográfico que foi torturado pela milícia no Rio de Janeiro. Ele amava o perigo, só se sentia vivo quando enfrentava uma situação-limite. Mas, no dia em que o perigo se concretizou, ele percebeu o tamanho de sua fragilidade. E se deprimiu tanto, que agora diz estar meio morto. De fato, foi uma morte, porque ele compreendeu que não é imortal.
Em geral, as pessoas vão absorvendo essa verdade lentamente. As mulheres, mais rápido, porque as mulheres menstruam. Quer dizer: elas levam o ciclo da vida dentro delas. A cada mês, as mulheres são informadas de que tudo que vive cumpre idêntica sina: nasce, amadurece, definha e morre. Isso, claro, se o ser vivo obteve êxito em sua trajetória. Alguns morrem antes de definhar ou antes mesmo de amadurecer, um fracasso biológico.
Então, chega o tempo em que a pessoa conclui, ou simplesmente intui, que ela morrerá, o que significa que coisas ruins também podem lhe acontecer. Aí ela se vê só e desamparada. E pode se tornar vítima da depressão.
Se a pessoa é religiosa, ela tem um pequeno antídoto contra isso – ela acredita na vida eterna, na recompensa no Além. Ou seja: ela recupera a noção de imortalidade e se sente mais segura. Se ela não for religiosa, necessitará de outra ferramenta. A filosofia, talvez.
Sêneca dizia que, para perder o medo paralisante de que alguma coisa horrível pode acontecer com você, você tem de fazer o seguinte: tem de TER CERTEZA de que alguma coisa horrível irá acontecer com você. Uma vez que você tenha assimilado que a morte é inevitável, que, ao envelhecer, o corpo padece, que acidentes são possibilidades e que o ser humano não é confiável, uma vez que você tenha entendido que, no fim, estará sozinho, você relaxará e poderá viver com leveza os dias que lhe restam.
É o que tento mostrar sempre para o meu filho: que o futuro não importa; que nós devemos planejá-lo, mas não nos preocupar com ele
É o que tento mostrar sempre para o meu filho: que o futuro não importa; que nós devemos planejá-lo, mas não nos preocupar com ele; que um dia vivido com alegria, em que você tenha feito boas coisas, é um dia vitorioso. É o que tento mostrar. Tento mostrar que sei que os problemas virão, mas não é isso que interessa; o que interessa é como vamos reagir quando eles vierem. Tento mostrar que o fim de um ciclo não é um revés, é um sucesso, ainda que seja o fim do ciclo da existência. Tento mostrar, mais do que tudo, que a vida é boa. É essa a mensagem que quero lhe passar, que insisto e repito: a vida é boa. A vida é boa.