Visitei a Grande Mesquita de Abu Dhabi no fim de 2017, durante a cobertura do Mundial Interclubes disputado pelo Grêmio. Trata-se de um edifício que impressiona por dentro e por fora. É belíssimo, suntuoso e magnífico. Pode abrigar 40 mil fiéis em um dia de oração, foi construído com mármore da Itália, da Macedônia e da Índia e ostenta, pendentes do teto, lustres tão grandes, que não caberiam na minha sala de estar.
Funcionários vigilantes fazem de tudo para preservar a atmosfera religiosa do lugar. As mulheres são obrigadas a cobrir cabelos e nacos de corpo antes da entrada. Os homens não podem exibir tatuagens. Todos tiram os sapatos ao ingressar no ambiente em que se realizam as preces. Se você falar um pouco mais alto ou apontar com o dedo para uma parede, um guarda vem, chama sua atenção e exige mais compostura. Há alguns anos, a cantora Rihanna foi ver a mesquita. Para entrar no local, cobriu-se de preto do tampo da cabeça aos vértices dos tornozelos. Mas, ao tirar fotos, arriscou-se a fazer poses sensuais, como se estivesse sendo clicada pela Playboy. Resultado: os guardas a expulsaram sem a mínima hesitação.
Você tem de se comportar na Grande Mesquita. Mesmo assim, a imensa quantidade de turistas que a cada dia passam por ela extrai-lhe um tanto de sua sacralidade. Porque a maioria das pessoas que lá estão nos dias de visitação não pretende alcançar alguma forma de comunicação com Deus. Não. Aquelas pessoas ingressaram na mesquita por curiosidade, para se divertir ou para aprender.
Assim acontece com outros grandes templos católicos. A Notre-Dame, que hoje está no centro das notícias do mundo, tornou-se mais um museu do que uma igreja. Você vai lá e alguém lhe diz que no prédio está guardada a coroa de espinhos com que Jesus foi torturado na Sexta-Feira da Paixão. Alguém acredita? Claro que não. E a maior de todas as igrejas, a Basílica de São Pedro, encanta o turista mais pelas obras de Michelangelo e Bernini do que por alguma eventual energia sacra que exale.
Já me deixei embasbacar diante de algumas catedrais, sobretudo quando parei em frente ao Duomo de Milão. Muito havia lido sobre o Duomo, mas, ao contemplar aquela igreja branca e imponente, me emocionei. Só que foi uma emoção causada pela arquitetura gótica incomparavelmente detalhista, que não deixou um único desvão sem adereço, sem alguma coisa surpreendente para olhar, e não por seu caráter sagrado.
O templo que mais me comoveu, na verdade, não é grandioso como a mesquita de Abu Dhabi, não tem obras de arte de gênios como a Basílica de São Pedro, não conta com a história da Notre-Dame nem com a arquitetura do Duomo de Milão. O templo que mais me comoveu nem bonito é.
É uma igrejinha pequena e escura, esquecida em um beco pouco frequentado de Florença. Chama-se Santa Margherita dei Cerchi e tem mil anos de idade. Ela é conhecida como a Igreja de Dante. No caso, Dante Alighieri, o gênio fundador da língua italiana.
Há muitas histórias envolvendo Dante e essa igrejinha. Há quem diga que seu corpo está enterrado ali, outros duvidam de que o túmulo seja mesmo dele. O certo é que Dante frequentava a igreja. Foi ali que se casou. E foi ali que viu, pela primeira vez, Beatrice Portinari, o amor de sua vida. Não foi com Beatrice que Dante se casou, foi com outra mulher. Muitos historiadores suspeitam que ele nunca tenha nem sequer falado com Beatrice. Mas a amava incondicionalmente. Para Beatrice, escrevia. Para Beatrice, vivia. E um dia, escondido debaixo da sombra de uma porta perto da Santa Margherita dei Cerchi, Dante viu Beatrice casar-se com outro homem. O seu grande amor, casando-se com outro homem, na sua igreja.
Sentado em um banco tosco da pequena Santa Margherita, pensei no que Dante deve ter sentido no dia do casamento da sua amada. Imaginei o quanto ele deve ter sofrido. Calculei que muito da sua poesia imortal deveu-se àquela dor. E concluí que um templo dedicado ao amor, ainda que seja ao amor renegado, produz mais sentimento do que todos os tesouros de todas as catedrais.