Na hora em que saí de casa, ontem pela manhã, a temperatura estava em 16°C negativos e a sensação térmica tinha fincado nas profundidades de 29°C abaixo de zero.
Você sabe o que é isso?
Não, você não sabe, você nem consegue imaginar, porque você está se repimpando na canícula dos trópicos, suando em bagas e provavelmente sem camisa, como um ator da novela das 9. Se for mulher, estará de minissaia, e espero que você seja uma mulher de pernas longas e douradas, talvez morena de olhos amendoados e com senso de humor, que senso de humor é indispensável, mesmo em temperaturas extremas.
Chamei o táxi conformado, porque era verdade. Tem coisas que só tem no Brasil.
Mas tergiverso. O fato é que, quando botei a sola das minhas botas Ugly no chão gelado, não era só o chão que estava gelado: o ar também, e sofri. Só que precisava sair, o adaptador do meu laptop havia queimado e eu tinha de adquirir outro.
Como repórter com alguma experiência, tenho muitos tipos de adaptadores, porque há muitos tipos de tomadas no planeta. Só que o cabo desse meu laptop é conectado por três pinos redondos, de acordo com as últimas normas técnicas brasileiras. Então, nenhum dos meus 12 (eu escrevi doze!) adaptadores funcionou.
Assim, lá me fui e me fui e meu fui. E fui guarnecido com ceroulas. E com camiseta, luvas, touca e jaqueta de esquiador. E mais uma balaclava, que deixava apenas os olhos expostos.
Quando você está vestido assim, você não sente frio logo que chega à rua, mas, se permanece mais de 10 minutos no ar exterior, começa a ficar desagradável. Só o nariz e os olhos estão expostos. É o que basta. As maçãs do rosto doem, os olhos lacrimejam e aquele ar gelado lhe entra pelos pulmões e vai lhe empedrando a alma.
Só que isso não é o pior: o pior é o gelo que cobre o chão. Nevou durante todo o fim de semana e a segunda-feira amanheceu com tempo firme. Mas, com a temperatura baixa, a neve não derrete: ela endurece. Vira gelo e o gelo é escorregadio.
Uma vez, disse no Sala de Redação que, em países com invernos rigorosos, mais gente morre em acidentes, como quedas na calçada e até em limpeza de telhados, do que de frio. Para que fui falar isso? Meus colegas me gozaram o programa inteiro e os ouvintes passaram dias troçando de mim. Só que eu estava certo! Em lugares muito frios, como Boston, os sem-teto não se arriscam a dormir debaixo de um viaduto, por exemplo. Eles procuram os abrigos. Por isso, são raros os casos de gente vitimada por hipotermia. Agora, cair na calçada, todo mundo cai. Eu, ontem, quase caí pelo menos meia dúzia de vezes. Ao chegar à ferragem, já tinha decidido que voltaria de táxi. Não correria mais riscos.
A ferragem, é óbvio, estava aquecida. Pude tirar as luvas e a touca. Falei com o atendente e expliquei o que queria. Ele me levou a um corredor repleto de adaptadores. Havia centenas, milhares deles, de todas as conformações e de todas as procedências: adaptadores para tomadas africanas, asiáticas, europeias e até australianas. E nenhum com três pinos redondos! Nenhum! Não era possível. Chamei o dono da ferragem. Contei que precisava de um adaptador para três pinos redondos. Ele me olhou espantado. Perguntou:
– Em que lugar se usam três pinos redondos?
Fiquei com vergonha, mas respondi:
– No Brasil…
– Ah… – ele suspirou e, pelo seu tom de voz, percebi que tinha experiência pretérita com brasileirices.
– Há algum adaptador para esse tipo de tomada? – insisti.
Ele apertou os lábios, balançou os ombros e murmurou:
– Tem coisas que só tem no Brasil…
Chamei o táxi conformado, porque era verdade. Tem coisas que só tem no Brasil.