Uma vez, a Cláudia Laitano me disse que odiava o Gonzaguinha. Fiquei pensando. Eu até que gostava do Gonzaguinha. Não que fosse assim um admirador, mas tinha umas músicas dele que achava interessantes. "Começaria tudo outra vez, se preciso fosse, meu amor…" Boa música. Ou não?
Aquilo de a Cláudia Laitano odiar o Gonzaguinha grudou-me na cabeça. Comecei a pensar nas músicas dele. Tinha aquela:
Vendo como as pessoas são críticas hoje em dia, percebo que é mais fácil apontar o dedo para o defeito do que para a qualidade.
"Quando eu soltar a minha voz, por favor, entenda
Que, palavra por palavra, eis aqui uma pessoa se entregando
Coração na boca, peito aberto, vou sangrando
São as lutas dessa nossa vida que eu estou cantando".
O cara fez rimas com gerúndio. Entregando, sangrando, cantando. Não tem cabimento fazer rima com gerúndio. É como rimar aumentativos ou diminutivos. Ão com ão, inho com inho. Não, não, nessa o Gonzaguinha deu razão à Cláudia Laitano.
Tem uma outra que também me incomoda. Ele canta:
"E que a atitude de recomeçar
é todo dia, toda hora
é se respeitar na sua força e fé
é se olhar bem fundo até o
dedão do pé".
Ele usou o dedão do pé para rimar com fé. Tudo bem quanto à rima, mas "dedão do pé" não é uma imagem poética. Dificilmente você vai encontrar lirismo no dedão do pé, mesmo que seja o da Marina Ruy Barbosa. A não ser que você se enquadre naquela categoria de caras que adoram pés, o que, francamente, é esquisito. Havia inclusive um sujeito que era conhecido como o Tarado do Pé, em Porto Alegre. Ele ficava de campana nas escadarias dos bares com dois andares. Uma mulher subia e o pé dela se punha à altura dos olhos dele. Então, ele olhava um pé que achava formoso e gemia. Às vezes, passava a mão. A mulher dava um pulo e protestava:
– O que é isso???
Mas seguia em frente, escada acima, sem maiores escândalos. Uma noite, porém, ele se aproveitou que uma moça parou no degrau, e lambeu-lhe o calcanhar exposto. Aí foi demais. Expulsaram-no do bar e proibiram que voltasse.
O Tarado do Pé, imagina.
Mas falava do Gonzaguinha, que a Cláudia Laitano odeia. Refletindo sobre as músicas dele, encontrei outra referência de pouca nobreza: aquela do "menino tão só, no antigo banheiro, folheando revistas, comendo as figuras". É uma das raras alusões à masturbação na Música Popular Brasileira. A outra, que me lembre, é do Chico Buarque, quando, naquela bela composição sobre os 12 anos de idade do guri, ele cita: "Concurso de… pipoca!". O concurso, no caso, é de masturbação, competição comum entre os meninos de outrora. Ganhava-se pela distância alcançada e pela rapidez. Garanto que você e a Cláudia Laitano não sabiam disso.
Maldição, tergiversei outra vez. Queria dizer é que a crítica da Cláudia Laitano me influenciou e passei a gostar menos do Gonzaguinha. Não a odiá-lo, não tanto, mas nunca mais consegui ouvi-lo sem pensar: "A Cláudia Laitano detesta esse cara".
Será que não tenho personalidade? Será que o Gonzaguinha é uma droga mesmo? Ou será que, se a gente se esforçar, encontra pontos negativos em qualquer coisa?
Vendo como as pessoas são críticas hoje em dia, vendo como odeiam com denodo e gosto, percebo que é mais fácil apontar o dedo para o defeito do que para a qualidade. Poderíamos prestar mais atenção para as partes agradáveis da vida, não é? Provavelmente, até os políticos brasileiros têm seus predicados. Se bem que a Cláudia Laitano gosta de repetir uma frase do pessoal do Planeta Diário, que dizia: "Tudo na vida tem um lado bom e um lado ruim, menos o disco do Gonzaguinha".